Não é necessariamente pelo que é apresentado no texto "O que a geração MySpace deveria saber sobre trabalhar de graça", de Trebor Scholz, que gosto desse artigo, mas pela reflexão que o mesmo pode estimular (ou estimulou em mim). Parte do e-book (livro digital)
Apropriações do (in)comum: espaço público e privado em tempos de mobilidade, lançado em 2008 pelo festival
Arte.mov em parceria com o
Instituto Sérgio Motta, o texto provoca questionamentos sobre uma atuação mais consciente nas redes sociais virtuais (assim como na internet de forma mais abrangente) e é facilmente aplicável à presença da música na internet. Afinal, nossas escolhas e ações são partes ativas na definição do mercado musical (assim como na construção de tudo ao nosso redor), mesmo que não detenhamos o poder exclusivo de determinar os resultados.
Escolhas aparentemente simples como focar toda a divulgação de um artista no
MySpace, por exemplo, têm muito a dizer sobre o mercado musical atual. Por que escolher exclusivamente o site norte-americano, que sequer permite a opção de download das músicas, e não o brasileiro
TramaVirtual (que ainda PAGA a banda pelos downloads realizados de suas músicas) ou a interessante plataforma
BandCamp, que além de streaming (audição das músicas) possibilita o download de álbuns completos em diferentes formatos (.mp3 em alta ou baixa qualidade, .ogg, flac, etc) e até mesmo que as músicas sejam vendidas?
É preciso pensar de forma mais abrangente, visando diferentes momentos da cadeia produtiva. Se mais artistas passarem a utilizar o TramaVirtual a tendência é que mais pessoas acessem o site. Em decorrência do aumento no número de acessos, a Trama poderia negociar novos patrocinadores para o site, valores mais altos. Observando o sucesso da iniciativa, outras empresas poderiam adotar o mesmo modelo de remuneração (ou semelhantes, como uma junção do modelo TramaVirtual + Bandcamp). Resultado: mais dinheiro para os artistas, melhor distribuição da produção e da renda, maior formação de público.
Esse é apenas um exemplo, mas o que importa é que
enquanto os próprios artistas permanecerem atrelados a estratégias do mainstream não haverá estrutura acessível e funcional para que os independentes possam se estabelecer de forma sustentável.
"Se você concorda com a teoria da “performance virtuosa” e “do ato de ser
um falante” de Paolo Virno e Maurizio Lazzaroto como o mais novo trabalho
imaterial (do Norte), aí sim, a web social é a nova fábrica sem paredes. Eu
não assino embaixo da naturalização da exploração do trabalho que é tão
querida pelo capitalismo. Onde estão as pessoas que se preocupam se os
grandes lucros são feitos da sua criatividade distribuida? A maioria dos
participantes não é consciente do seu papel no comportamento do mercado.
Os sites mais centrais na World Wide Web criam massivos valores excedentes
e pequenas iniciativas são freqüentemente compradas pelos Walmarts da
internet (NewsCorp, Yahoo, Google) no exato momento que eles atraem
numero suficiente de visitações nas paginas. As pessoas passam maior parte
do tempo nos sites desses gigantes e não em lojas menores e caseiras (“mom
and pop stores”). Cerca de 12% de todo o tempo gasto por americanos na
internet é gasto no MySpace.
Nicholas Carr assinalou que 40% de todo o tráfego na web é concentrado
em 10 websites. (www.sina.com.cn, www.baidu.com, www.yahoo.com, www.
msn.com, www.google.com, www.youtube.com, www.myspace.com, www.
live.com, www.orkut.com, e www.qq.com).
A maioria destes sites devem a sua popularidade para a riqueza de conteúdo
gerada pelos visitantes que passam uma quantidade significativa de tempo
sobre estes poucos, muito poucos sites, criando assim riqueza para um
punhado de proprietários corporativos. O que atrai as pessoas para dentro?
Numa recente entrevista à Forbes Video Network, Jay Adelson (CEO do
Digg.com) foi questionado “o que vai fazer as pessoas voltarem?” Adelson
respondeu: “Comunidade é o que realmente faz com que as pessoas voltem.
Estas pessoas são apaixonadas pelo o que o Digg tem feito por elas. A
experiência como usuário que obtêm ao ser parte dessa comunidade só está
melhorando a cada dia.”
Atenção se traduz em valor monetário concreto e a comunidade é o
produto. O capitalismo cru offline é replicado na forma online, muito contra
as esperanças de uma recente cibernética e o “de volta a terra” interligado,
aspirações contra-culturais do final dos anos 60 e inicio dos 70 as quais Fred
Turner escreve sobre.
A dinâmica do - sendo utilizado - pode deter muito menos verdades para websites periféricos na
concêntrica hierarquia da web participativa. A “ mom and pop store “ online tem uma relação muito
mais benevolente dos benefícios dos participantes em contraposição as despesas de funcionamento
da empresa. E depois existem também duas ou três iniciativas sem fins lucrativos como o Archive.org
e Craig Newmark sustentando a “forte esperança”. Eles não estão, com certeza, dominando a leitura e
escrita na web.
O “trabalho afetivo”, imaterial, das redes publicas produz dados. Contribuintes comentam, codificam,
classificam, encaminham, lêem, assinam, conectam, moderam, fazem remixagens, compartilham,
colaboram, escolhem favoritos, escrevem, trabalham, jogam, conversam, fofocam, discutem e
aprendem, Eles preenchem perfis: 120 milhões de pessoas compartilham informações pessoais com
a NewsCorp, por exemplo. 18 milhões de estudantes compartilham tamanhos detalhes em seus
Facebooks com o Yahoo. Eles compartilham informações sobre suas musicas e clubs favoritos. Eles não
ficam tímidos ao listar os livros que estão lendo e os filmes que estão assistindo. Eles detalham suas
orientações sexuais e informações postais com cidade, telefone e e-mail. Eles compartilham fotos,
histórico educacional e empregos. Perfis, mesmo quando somente visível aos amigos (e claro, ao Yahoo)
que listam suas atividades diárias, interesses gerais e amigos.
Parece evidente que toda esta sociabilidade em rede canalizada representa
valor monetário. Depois da bomba pontcom, os titãs do Google não iriam
comprar um website de vídeos jovem como o You Tube, pelo valor da
Companhia New York Times, se não houvesse um claro valor monetário.
A ética arriscada relacionada à propriedade e exploração do trabalho do
“núcleo da web sociável” se torna aparente se olhamos as políticas de
privacidade do Yahoo para o Facebook. “O Facebook também pode coletar informações sobre você de outras fontes,
tais como jornais, blogs, serviços de mensagens instantâneas, e outros
usuários do serviço Facebook por meio da operação do serviço (por exemplo,
tags em fotografias), a fim de lhe fornecer mais informações úteis e uma
experiência mais personalizada".
É um sonho se tornando realidade para qualquer pesquisador de Mercado.
Mas isso não é brecado por políticas de privacidade bizarras, o Yahoo
também reivindica seus direitos sobre o conteúdo do Facebook:
“Ao postar conteúdo de usuário em qualquer parte do site, você
automaticamente concede, e você representa e garante que tem
o direito de conceder, a Companhia uma irrevogável e perpétua,
não exclusiva, transferível, totalmente paga, licença mundial
(com o direito de sublicenciar) para usar, copiar, executar
publicamente, exibir publicamente, reformatar, traduzir, trechos
(no todo ou em parte) e distribuir tal conteúdo... “
A imagem da rede publica- sendo usada - é, no entanto, complicada pelo
fato de que os participantes inegavelmente ganham muito pela participação.
Existe o prazer da criação e o mero gozo social. Participantes ganham
amizades e um sentimento de pertencer a um grupo. Eles compartilham
suas experiências vivenciadas e arquivam as suas memórias. Eles estão
conseguindo empregos, acham companhia e provavelmente contribuem
para um bem maior.
A dimensão e grau de exploração do trabalho imaterial é mais inquietante
quando olhamos para o site com maior tráfego. A web sociável torna mais
fácil às pessoas usar e essa dinâmica poderá somente ser amplificada através
do aumento da conexão de aparatos móveis aos grandes sites de rede social."