Dez anos após meu primeiro Eletronika, é incrível o modo como o festival continua a surpreender. Se, em 2001, Jon Spencer Blues Explosion e Asian Dub Foundation eram novidades para o público de BH, uma década depois o festival parece ter ampliado sua capacidade de apresentar “novas tendências” (como sugere seu slogan) ao público mineiro. Para isso, muitas vezes sequer recorre a artistas de longínquos países, concentrando seus esforços em filtrar e posicionar em sua grade de programação nomes inusitados da cena brasileira.
Assim se deu a abertura da programação musical do Eletronika neste ano, no dia 16 de Novembro, na pequena Sala Juvenal Dias (que, como o Teatro João Ceschiatti e o Grande Teatro do Palácio das Artes, foi palco do festival), com o show do Objeto Amarelo. Som extremamente ruidoso, espécie de música ambiente produzida por máquinas autônomas, escolha que poderia parecer óbvia em um evento cujo tema é o enigmático “ruído de fronteira”.
No entanto, logo na sequência do experimentalismo do Objeto Amarelo, qualquer traço de obviedade seria catapultado ferozmente pelo show de grindcore da banda paulista Test. Também ruidoso e fronteiriço, mas com uma abordagem totalmente distinta.
Test
Essa série de abertura resume bem a edição deste ano do Eletronika, cheia de surpresas e boas apresentações. Os mashups do DJ e produtor Psilosamples, do interior de MG, começaram a animar a segunda noite de shows e se relacionaram de forma coerente ao rap do grupo paulista Elo da Corrente, responsável por diversificar ainda mais o festival com o público do hip hop. No Grande Teatro do Palácio das Artes, o SP Underground lançou seu novo álbum, Três cabeças loucuras, para uma boquiaberta plateia que minutos depois conferiu o desempenho correto, porém frio, da cantora norte-americana Glasser (ou “Goldfrapp querendo ser Björk”, como disse a alguém pelos corredores).
SP Underground
Já no início da madrugada, mesmo com manifestações da plateia à favor de um bis de Glasser, a festa tinha que continuar do lado de fora do teatro para o show dos mexicanos do Nortec Collective, que minutos após o início da apresentação já tinham ganhado o público com sua mistura de eletrônica dançante tocada em iPads e música típica mexicana com sanfona, tuba, trombone e direito à vestuário característico de mariachis nos músicos.
Durante todo o festival o público pôde conferir a exposição “ruído de fronteira”, com trabalhos que aproximam a arte da tecnologia; participar de debates; assistir a filmes ou, simplesmente, beber e comer alguma coisa no aconchegante Café do Palácio das Artes. Apesar de tantas opções, foi difícil encontrar alguém que não pretendesse ver o show do performático Rubinho Troll na sexta-feira. Há tempos vivendo no exterior, o ex-vocalista do Sexo Explícito (banda dos anos 80 que contava com John Ulhôa como guitarrista e que originou alguns dos primeiros sucessos de sua atual banda, o Pato Fu) mostrou músicas de sua carreira solo e “hits” como “Mamãe ama meu revólver” e “Menti pra você”, para delírio da plateia (majoritariamente trintona) presente. O calor humano e a emoção de tocar em casa foram tão grandes que, entre uma música e outra, uma assistente subia ao palco com um secador de cabelos para consertar a juba de Rubinho.
Trecho do show do Rubinho Troll
O êxito de público não se repetiu, infelizmente, no show seguinte, do elogiado Gui Amabis. Boa parte dos presentes para ver Rubinho Troll (notadamente, as pessoas mais velhas) deixou o espaço e perdeu a estreia de Amabis em BH. Acompanhado por uma banda formada por músicos renomados no meio musical alternativo (Régis Damasceno na guitarra, Marcelo Cabral no baixo, Richard Ribeiro na bateria, Dustan Gallas nos teclados e guitarra, Lucas Santanna na flauta e vocais, Tulipa Ruiz como cantora convidada), Amabis apresentou boas versões das músicas de seu primeiro CD solo, tendo a apresentação prejudicada pela sua falta de desenvoltura no palco e pelo fato dos californianos do Kisses terem começado a tocar, no Grande Teatro, antes do término de seu show (o que reduziu o número de pessoas presentes).
Quem, como eu, privilegiou o show de Gui Amabis, pôde conferir somente os instantes finais do Kisses, com mais de 20 pessoas no palco, ao lado da banda, cantando e pulando. Mais tarde foi possível saber que o vocalista da banda teria dito algo como “nós vamos demorar muito para voltar para o Brasil, então sintam-se à vontade para subir ao palco e aproveitar o momento”.
Atração mais aguardada do festival, a banda inglesa Ladytron não justificou a expectativa. Apesar de bem executadas, as canções da banda foram friamente interpretadas e soaram datadas (ou, no linguajar hipster, “meio last season”). Parte das pessoas preferiu sair do teatro para beber no foyer ou lotar o fumódromo, cuja bela vista para o Parque Municipal estimulava a continuidade no local, em contraponto à apresentação dos alemães.
Ladytron
E se a frieza marcou o Ladytron, o mesmo nunca poderia ser dito do show de Rich Aucoin. O canadense, acompanhado de mais duas pessoas em sua banda, gritou, pulou, fez mímicas e chuva de confetes, cantou em português, sampleou “Sou foda”, se jogou na plateia e até surfou (literalmente, em uma prancha), sobre o público. Indie rock com batidas eletrônicas farofeiras, extremamente divertido e dançante.
Para encerrar, a dupla The Hood Internet ainda tocaria durante a madrugada, mas, mesmo para quem decidiu ir embora antes, a sensação de satisfação parecia ser um consenso. Entre experimentalismos, estranhamentos e descobertas, o Eletronika justificou mais uma vez o respeito obtido ao longo de mais de uma década e, também novamente, pecou apenas pelo baixo público, que se concentrou apenas na última noite. Além de uma curadoria exemplar, talvez seja o momento de trabalhar também novas formas de expandir o público do festival.