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8 de abril de 2014

A relação entre Los Hermanos e o crescimento da cena de rock instrumental brasileira - uma tese

Ao menos no Facebook, 40% dos leitores do Meio Desligado tem entre 16 e 24 anos. Isso indica que, muito provavelmente, um bom número de pessoas que atualmente acompanham o blog e se interessam por música alternativa brasileira não tiveram contato direto com a cena indie nacional nos anos 90 (ou até mesmo no início dos anos 2000). Para essas pessoas é comum, hoje, ir a shows em bibocas alternativas e ver as pessoas no palco cantando no nosso idioma, mas esse acontecimento era raro há cerca de 15 anos. Pense nas bandas do underground nacional dos anos 90 e virada para os anos 2000 - quase todas cantavam em inglês.

Então, qual foi o ponto de virada?

Uma das respostas pode ser o Los Hermanos.

(aqui entra a pausa para alguns rirem)
























(aqui voltamos ao assunto)

Com o lançamento do CD de estreia da banda e o sucesso de "Anna Júlia" o grupo poderia ser apenas mais um hit temporário do pop rock mainstream. No entanto, os rumos tomados no Bloco do eu sozinho, lançado em 2001, tornaram tudo diferente. Com o sucesso comercial do disco de estreia (250 mil cópias vendidas) e o sucesso de crítica do Bloco, o Los Hermanos mostrou ao público e ao mercado que era possível construir uma carreira bem-sucedida sem ter que abrir grandes concessões e cantando em português. Ao mesmo tempo, apresentou uma maturidade musical e novas referências artísticas ao público conquistado através do primeiro disco e dos grandes esforços de jabá marketing executados pela gravadora Abril (os mesmos esforços que foram deixados de lado na época do Bloco pelo fato de a gravadora achar o álbum "não-comercial").

O Bloco do eu sozinho vendeu muito menos do que o álbum anterior (40 mil cópias), mas rendeu à banda uma base fiel indie-universitária de fãs que cresceria com o tempo. Na esteira do sucesso dos hermanos, uma nova leva de artistas viu que suas aspirações de conquistar o mercado internacional eram improváveis de se concretizar e que, para ter maiores chances no mercado nacional, era preciso cantar em português.


Nos anos seguintes ao lançamento do Bloco houve uma proliferação de novas bandas que assumiram desde o início o português em suas letras e grupos antigos que deixaram o inglês macarrônico de lado.

E onde entra a cena instrumental nisso tudo?

Enquanto as bandas cantando em inglês eram maioria no rock underground, a quantidade de bandas instrumentais nessa mesma cena era extremamente pequena. Pense além dos grupos de surf rock e dificilmente virão mais do que dois ou três nomes.

O que teria acontecido é o seguinte: enquanto muitos artistas viram no português uma solução para tentar se estabelecer no mercado, vários músicos não tinham identificação com a música cantada em português (ou com a música brasileira, em geral). As referências de quem fazia rock alternativo no Brasil eram majoritariamente estrangeiras, cantar em português, para muitos, não era sequer uma opção (me lembro claramente do vocalista da Diesel, talvez a maior promessa que o rock alternativo nacional já teve, dizer exatamente isso).

Focar em projetos instrumentais, então, teria sido uma forma de dar vazão à criação artística nesse cenário. De um lado, aqueles que haviam desistido de cantar em inglês (talvez percebendo o quão ridículos soavam) mas não se sentiam confortáveis compondo em português depois de anos alfabetizados musicalmente em outro idioma. Do outro, músicos que permaneciam com as influências estrangeiras (e com o passar do tempo, até inseriram elementos da música brasileira em suas sonoridades, no caso de alguns) mas abriram mão da voz, independente de em qual língua ela pudesse vir a ser.

O Brasil sempre teve grandes artistas na música instrumental, mas em se tratando do rock brasileiro, a quantidade de bandas surgidas a partir dos anos 2000 é um fenômeno sobre o qual poucos se debruçaram. Esta é uma breve contribuição para o tema.

Atualização: como bem lembrou a Kátia Abreu no Facebook, não por acaso, ao iniciar sua carreira solo pós-Los Hermanos o Camelo chamou o Hurtmold, a principal banda da cena de rock instrumental brasileira (e que iniciou suas atividades ainda nos anos 90).

Curiosidade: segundo dados do jornal O Globo, a turnê de retorno do Los Hermanos em 2012 teve 155 mil ingressos vendidos nos 23 shows realizados. Com a média de valor de ingresso a R$ 75, apenas com a venda das entradas a banda teria movimentado nada menos que R$ 11.625.000 (são tantos números que vou escrever por extenso: onze milhões seiscentos e vinte e cinco mil reais).


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