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21 de agosto de 2012

Quanto vale a mú$ica?

Escrevi o texto que abre o nova edição da revista Overmundo, cuja temática era open business. A revista está disponível para download grátis em pdf e para iPad. Abaixo, minha matéria completa.


Festival de música independente em Goiânia adota modelo em que o público decide quanto pagar pelas apresentações das bandas – e faz sucesso!

Sexta-feira, 10 de Outubro de 2007. Inglaterra, Marrocos, Rússia, Brasil, Bolívia. Pessoas nestes e em quaisquer outros países com acesso à internet faziam o download de In Rainbows, sétimo álbum da banda britânica Radiohead. Mais do que um trabalho que, meses depois, estaria na maioria das listas de melhores álbuns daquele ano, tratava-se de um divisor de águas no mercado musical. Pela primeira vez, uma das maiores bandas do mundo lançava um CD de forma independente e cujo preço de venda era definido pelo próprio público (com a possibilidade, inclusive, de optar por não pagar nada para se obter a obra).

Domingo, 6 de Maio de 2012. Goiânia, Brasil. Centenas de pessoas reunidas no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiânia para o último dia da 14ª edição do Festival Bananada, iniciado na semana anterior. Assim como no caso do Radiohead, o valor da entrada era definido pelo público. O diferencial é que, no caso do festival goiano, não contribuir com nenhum valor não era uma opção (e moedas não eram aceitas).

A evolução do modelo colaborativo na definição de preços para o acesso a bens culturais tem se dado de forma relevante nos últimos anos. No Festival Bananada, por exemplo, ela é resultado de um longo processo de mapeamento da cena, do trabalho pela formação de público e pela busca de formas funcionais de gestão de carreiras artísticas. Assim como o sistema de crowdfunding tem possibilitado a realização de ações colaborativas através do financiamento coletivo, o “pagamento 2.0” é outro elemento cada vez mais presente na lógica do mercado cultural contemporâneo. A nova geração de consumidores cresceu em meio às mídias digitais, com acesso fácil, rápido e, na maior parte dos casos, gratuito ao conteúdo que desejam. Entender as transformações nos hábitos de consumo do público e manter sustentável a cadeia produtiva é um dos desafios de produtores culturais em todo o mundo.

Fabrício Nobre é um desses produtores. Vocalista da banda de rock MQN, ex-presidente da Asso- ciação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) e atual diretor da produtora A Construtora Música e Cultura, Fabrício é um dos responsáveis pelo projeto “Qto vale o show?”. A ideia é extremamente simples: a pessoa vai ao show, se diverte e, na hora de ir embora, dá uma nota para o que viu. Nota, no caso, literalmente. O julgamento da qualidade da apresentação presenciada é convertido em uma cédula de R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$20 ou até mesmo R$50 e R$100. Ao sair, a pessoa também conta qual o show a levou ao evento, qual a sua apresentação favorita naquela noite. Do valor arrecadado, 80% é dividido entre as bandas que se apresentaram e o restante é destinado à gestão do projeto.


O procedimento de votação foi criado para descobrir quais bandas o público local tinha mais interesse em assistir e quais bandas precisavam investir mais na formação de público. Edimar Filho, produtor n’A Construtora, conta que, assim, descobriram que algumas bandas que afirmavam ter determinado número de pagantes garantidos em seus shows tinham, na verdade, público bem menor. “Entre 2,5 mil pagantes no Bananada, bandas que juravam ter muito público foram citadas por 50 pessoas. Descobrimos também, que, se a banda fizer o mínimo de esforço durante a semana nas redes sociais, isso resulta em um resultado melhor no bolso delas”, diz Edimar.

E o quando o assunto é cachê, a discussão é calorosa. Grande parte dos festivais de música independente no Brasil possui recursos escassos e os dedicam para custear despesas de estrutura. Muitas vezes, as bandas não recebem cachês e custeiam o próprio transporte investindo na repercussão que a apresentação no festival pode resultar. Até o surgimento do “Qto vale o show?”, as bandas que se apresentavam no Bananada tinham todas as despesas cobertas pela produção, exceto transporte e cachê. Agora, recebem de acordo com resultado efetivo de seus shows.

“A internet possibilitou pela primeira vez na história que o público taxasse o preço dos produtos culturais. Se a pessoa discorda do valor do ingresso ou do CD, não vai ao show, não compra o disco”, afirma Edimar. Além de trabalhar como produtor cultural, ele é guitar-rista da Black Drawing Chalks, banda que fez turnê por todas as regiões do Brasil e se apresentou em grandes festivais como SWU e Lollapalooza. Com a experiência obtida trabalhando em diferentes momentos da cadeia produtiva da música, Edimar é taxativo: “Se a banda não leva público em um show em que o ingresso pode ser R$ 2, a culpa é dela. É sinal de que a banda precisa rever seu modelo de trabalho, repertório e relacionamento com o público”.

O Bananada antes e depois da utilização do formato “Qto vale o show?”, segundo Edmar Filho, d’A Construtora Música e Cultura: 
ANTES 
# O Bananada tinha menos visibilidade.
# Cada banda tocava para cerca de 800 pessoas.
# 4 mil pessoas tinham acesso ao festival.
# As bandas não ganhavam um cachê. 
DEPOIS 
# O Bananada tem mais visibilidade, com público duas vezes maior do que em 2010.
# A banda que antes tocaria para 800 pessoas está tocando para 1.600.
# Em 2012, foram quase 10 mil pessoas ao longo da programação do festival.
# Todas as bandas receberam cachê em 2012, e em alguns dias receberam R$ 650, cada. Nenhum festival do país, nem com patrocínio de grandes empresas, paga isso para bandas novas, que tocam às 16h da tarde. Além disso, as bandas venderam mais materiais de merchandising do que nos outros anos. O cara pagou R$ 5 para ver o show e sobrou grana para comprar a camiseta da banda no fim. Uma das bandas que tocaram no festival conseguiu R$ 1,1 mil vendendo CDs e camisetas.
# O festival está mais democrático e atinge um público muito mais jovem, o que significa renovação e formação de plateias. A edição de 2012 teve o maior público, a melhor remuneração para as bandas e gerou o maior número de empregos diretos e indiretos da história do festival, que completou 14 anos este ano.

A experiência do “Qto vale o show?” no Bananada e em outros eventos em Goiânia tem sido tão positiva que passou a ser utilizada nos shows do projeto “Cedo e Sentado”, realizado no Studio SP (em São Paulo) e no Granfinos (em Belo Horizonte), a partir de Junho. Nesses casos, o valor arrecadado será revertido integralmente para os artistas.

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