Andar de cima
Ele tem entre 30 e 35 anos. Cabelo bem cortado, calça jeans, camiseta preta básica. Ela aparenta ter alguns poucos anos a mais, mas repete o figurino. Depois que se casaram a vida noturna mudou. Nada de saídas durante a semana, no máximo uma breve cerveja com os amigos nos mesmos bares ou idas a restaurantes (em datas especiais, que fique claro). Os shows e os porres diminuíram. Há o trabalho no dia seguinte, a casa para arrumar, as contas a pagar. Ainda tentam aproveitar enquanto o primeiro filho não vem.
Pista
Ele completou 18 anos no segundo semestre de 2011. Boné de marca de skate, camiseta preta de banda, calça jeans. Não passou no vestibular. Os pais lhe deram mais um ano para estudar e tentar novamente, antes de ter que trabalhar. Acordou ao meio-dia, cansado e com leve ressaca da noite anterior. Se recuperou. Começou a beber às nove da noite.
Andar de cima
Estão sentados ao redor da mesa rústica, tomando suas cervejas. Alguns minutos atrás, ele conversava com empolgação com o baixista da banda de rock. Comprou duas camisetas (uma para ele, outra para ela) e os dois CDs da banda (o outro estava esgotado), enquanto era observado por ela que, tímida, se apoiou na parede ao lado e assim permaneceu durante toda a conversa. O DJ toca Metallica, Hellacopters, Ramones. Eles vão se empolgando, os pés marcando o ritmo com mais força.
Pista
"Me dá mais uma cerveja!". "Caralho, quanta mulher gostosa!". "Esse som é fóda!". Aos gritos, a conversa flui. O DJ toca Metallica, Hellacopters, Ramones. Ele já tomou algumas cervejas e ainda não foi ao banheiro. Está difícil se movimentar pelo espaço, muitas pessoas ao redor. A banda está no palco e pode começar a qualquer momento. Não pode sair dali, não naquele momento.
Andar de cima
Ele bate cabeça e balança o corpo. Sempre ao lado dela. Ela faz os mesmos movimentos de forma mais sensual, usa mais os quadris, o cabelo. Sempre ao lado dele. O som é pesado, sujo e rápido. "Achei cinquenta centavos no chão, tomem pra vocês. A nossa banda dá dinheiro, viram?". A cada piada do vocalista eles se entreolham e sorriem com cumplicidade. E voltam a bater cabeça.
Pista
A camisa está grudada ao corpo, o suor faz o chão escorregar. Teve que tirar o boné ou o perderia. Pulou duas vezes do palco, levou uma joelhada, três pisadas no pé direito, uma pisada no pé esquerdo, duas cotoveladas, trinta e dois empurrões e a garota que pulou do palco acaba de lhe dar uma bundada na cabeça. Este é o melhor momento de sua semana.
Andar de cima
Eles continuam dançando sem sair do lugar, lado a lado. O andar de cima também está mais cheio agora. Ela continua balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto dá alguns passos para trás, para uma área mais alta e com mais espaço. E dança. Ele a observa do mesmo lugar de antes, sem piscar. Vai até ela. E dança. E a cada fim de música, se abraçam e se beijam. Eventualmente, um dos dois vai buscar mais cerveja.
Pista
Ele foi ao banheiro. Mijou no pé esquerdo sem querer. No caminho, encontrou com membros de bandas e de coletivos que conhece pela internet. Trocou a camisa suada pela camiseta da banda que toca agora. Baixou o CD há meses, comprou a camiseta uma hora antes, com o baixista da banda de rock. Volta para o meio da pista, onde leva mais pisadas, empurrões, joelhadas e cotoveladas, mas nada de bundas batendo em sua cabeça desta vez. Infelizmente.
Andar de cima
"Essa é a última música. Quem quiser ir embora depois pode ir, a gente vai ficar e festar". Estão abraçados. Ela, na frente, de costas para ele. Olham para o palco, para as pessoas na pista. Ela se vira e se beijam. "Estamos festando". E sorriem.
Pista
"Velho, putaquipariu, esse show foi do caralho". "O que a gente vai fazer amanhã?".
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Estive em 11 show do Black Drawing Chalks pelo país, a maioria deles em Belo Horizonte. Três vezes na Obra, duas no Studio Bar, uma no Cento e Quatro, uma no Music Hall. Acompanhar a trajetória da banda na cidade é perceber sua ascensão e o funcionamento do processo de formação de público na cena independente.
Em 2008, quando a banda se apresentou pela primeira vez em BH, em uma quinta-feira na Obra, talvez estivessem presentes 50 pessoas. No ano seguinte, em festa do Meio Desligado, lotou a mesma casa (dois dias depois, fariam um show histórico para o público da cidade de Sabará, em frente a uma igreja inacabada). De lá para cá, o Black Drawing tocou em alguns dos principais festivais do país, circulou pelo Brasil e fez shows no exterior. O que surpreendeu no show que fizeram em BH no último sábado, 24 de Março, não foi o fato do Studio Bar estar lotado para vê-los, mas sim o perfil de parte do público. Muitos e muitos jovens ávidos por ver a banda ao vivo pela primeira vez, e trintões e quarentões que, por diferentes motivos, também faziam sua estreia em um show do Black Drawing Chalks.
Quando coletivos de produção cultural, artistas e jornalistas falam sobre divulgação da música independente, desenvolvimento da cena e formação de público, estão falando disso. E parte do resultado é ter 2 mil pessoas num show de rap (Criolo e Julgamento, no dia anterior); uma banda goiana tocar por quatro anos seguidos em uma cidade à mais de 900km de distância de sua cidade natal e ter público que se renova e se amplia; ter opções para o público e para os artistas se apresentarem; tornar tudo isso sustentável. E, com isso, criar momentos incríveis pro casal que começa a repetir os clichês da vida conjunta, pro moleque que vive os últimos momentos da adolescência, pro sujeito que simplesmente gosta de distorção, praquele quem quer viver de fazer e tocar música, pra mim, pra você e até pra quem faz "puff" e pensa que este trecho final parece auto-ajuda.
Ah, só para constar: dos 11 shows que vi do Black Drawing Chalks, o do último sábado foi, sem dúvida, um dos melhores.
Foto: Tássio Lopes
Quando coletivos de produção cultural, artistas e jornalistas falam sobre divulgação da música independente, desenvolvimento da cena e formação de público, estão falando disso. E parte do resultado é ter 2 mil pessoas num show de rap (Criolo e Julgamento, no dia anterior); uma banda goiana tocar por quatro anos seguidos em uma cidade à mais de 900km de distância de sua cidade natal e ter público que se renova e se amplia; ter opções para o público e para os artistas se apresentarem; tornar tudo isso sustentável. E, com isso, criar momentos incríveis pro casal que começa a repetir os clichês da vida conjunta, pro moleque que vive os últimos momentos da adolescência, pro sujeito que simplesmente gosta de distorção, praquele quem quer viver de fazer e tocar música, pra mim, pra você e até pra quem faz "puff" e pensa que este trecho final parece auto-ajuda.
Ah, só para constar: dos 11 shows que vi do Black Drawing Chalks, o do último sábado foi, sem dúvida, um dos melhores.
Foto: Tássio Lopes