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28 de agosto de 2007

falácia

Na quarta-feira passada fui a uma palestra intitulada "Música e tecnologia - produção, veiculação e escuta musical na era da cibercultura", comandada pelo Frederico Pessoa, em mais uma edição do Oi Cabeça, evento quinzenal organizado pela Oi Futuro no Museu das Telecomunicações em Belo Horizonte. Os encontros sempre abordam temas relacionados a arte e tecnologia e têm entrada franca, começando às 19:00. Bem interessante.

O parágrafo acima é apenas para uma breve contextualização, já que o tema deste texto foi suscitado pelas discussões daquela noite: a atual situação da música e seu passado/futuro, o modo como a ouvimos e sua distribuição.

Em uma postura de certa forma retrógrada e conservadora, Pessoa criticou o fato de na atualidade as pessoas não "apreciarem" a música como antigamente, separando o devido tempo para ouvi-la sem interferências externas, utilizando-a mais como uma forma de "fundo sonoro" ou uma "trilha sonora urbana".

Oras, há algum problema nisso? Segundo ele, sim. As pessoas já não analisariam a música à fundo, dando a entender que por isso a mesma fosse desvalorizada. Mas a questão que me vem à mente é: a música precisa ser estudada durante todo o tempo? Sua função não é divertir e dar prazer? Se eu (e a grande maioria das outras pessoas) simplesmente gosto de ouvir música e não tenho interesse em me tornar um estudioso da teoria (analisando escalas, tons, harmonia, etc) estou desmerecendo-a ao sair pela cidade com meu mp3 player, fazendo com que meu dia seja extremamente mais agradável?

A postura assumida durante a palestra em relação a esse assunto me pareceu tão absurda que me fez lembrar do mundo paralelo em que boa parte dos teóricos e acadêmicos vive (no caso, os músicos graduados, ressuscitando o clichê de amantes da forma e da técnica e não da sensação provocada). E, quando coloquei se o enorme volume de música consumida atualmente não seria extremamente benéfico tanto para o público como para os artistas, sua resposta foi mais ou menos essa: "...o problema é que, como você mesmo diz, a música é muito CONSUMIDA hoje, as pessoas a tem como um produto...".

Para dizer a verdade, talvez tenha sido justamente essa questão que tenha feito com que eu viesse até aqui escrever sobre a palestra. Porque,
colocada de tal forma, considero essa afirmação uma grande estupidez, de um saudosismo inexistente. A seu ver, antigamente a música não era consumida? Seriam os grandes concertos de música clássica, gratuitos, abertos ao grande público? Os compositores e músicos dos séculos passados não lucravam com sua arte?

A música, assim como a arte em geral, é consumida, nossa sociedade é capitalista e por isso é inevitável que ela se torne um produto. O ponto crucial é que à medida em que as intenções mercadológicas passam a interferir na criação intelectual, aí sim temos um (grande) problema, resultando em superficialidade e estratégias de divulgação para se lucrar mais e mais.

E, se pensarmos bem, talvez este seja o momento na história em que mais se teve (temos) acesso à música de graça, o que derruba as afirmações de Pessoa. Afinal, são milhões e milhões de downloads por mês e tecnologia barata para cópias de CDs e DVDs, permitindo que a música circule cada vez mais livre. O modo como nos relacionamos com a música pode sim ser "consumidor / produto", mas à medida que não pagamos e continuamos a ter acesso a essa mercadoria, trata-se de uma relação nova e instigante que preocupa mais aos desinformados e saudosistas.

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