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14 de março de 2018

Sofrência indie, o novo pop rock e o aniversário da Autêntica

Quinta-feira, 8 de março de 2018
Sobram poucos lugares vazios no Teatro Bradesco, o que indica que quase 600 pessoas estão ali para assistir ao lançamento do primeiro disco solo de Tim Bernardes, vocalista e guitarrista d'O Terno, em BH. Diferentemente do que eu esperava, o público não é completamente formado por adolescentes. No chutômetro, diria que ao menos 1/3 dos presentes estaria entre os 25 e os 34 anos (pra usar um recorte etário também usado pelo Instagram). Músicos, arquitetos, designers, jornalistas... basicamente uma aglomeração de ex-estudantes de Humanas (não que isso seja ruim, que fique claro).
Recomeçar, o disco de Tim Bernardes, foi uma unanimidade em 2017 entre a crítica. Nesses casos, geralmente me abstenho de ouvir os discos mais comentados no auge do hype e deixo para ouvi-los quando der vontade (e não pelo impulso da novidade). Aqueles que se sustentam com o passar do tempo se mostram mais interessantes de se dedicar atenção. Assim, fui ao show conhecendo poucas músicas, mas ciente de sua estética crua e intimista.
Sentado, disposto entre um piano e duas guitarras, poucas luzes ao redor, Tim disse tentar reproduzir seu quarto, ambiente onde surgiram aquelas composições. Amigos (músicos e jornalistas) me disseram que sentiram falta dos arranjos do disco, que alguns trejeitos vocais e na guitarra limitaram o show ao ter exclusivamente Tim no palco. Eu, talvez por não ter ouvido o disco e não ter nenhum vínculo emocional já construído, nenhuma memória daquelas composições, considerei o minimalismo um grande acerto, um ponto essencial para a imersão. Como se a imagem aparentemente frágil daquele grandalhão magro, um Napoleon Dynamite hipster-tilelê, sozinho no palco espaçoso e de luzes fracas, fosse o elemento chave que nos dissesse que "sim, estamos invadindo seu espaço e entendemos sua timidez, estamos juntos".
Solo, Tim demonstra a mesma perspicácia das letras d'O Terno, permitindo-se mais emotivo e menos irônico. "Sofrência indie", brinca. O pouco uso de efeitos na guitarra e as canções ao piano as limitam ao essencial e o reverb na voz e guitarra reforçam a solidão, como se estivesse sozinho ouvindo a si mesmo por um tempo estendido. Do Terno, tocou "Melhor do que parece", "Volta" e "Minas Gerais", todas do disco mais recente da banda, sendo que a última foi originalmente composta pro seu disco solo. Ainda teve tempo para um medley de "Changes", balada do Black Sabbath, com Belchior, e uma versão de arrepiar de "Soluços", do Jards Macalé. "Acho que vou chorar", disse mais de uma vez a garota sentada atrás de mim. Entendo.


Sexta-feira, 9 de março de 2018
No fim dos anos 90 e início dos 2000, tudo classificado como pop rock chegava até mim como algo deplorável. Provavelmente, com razão. O símbolo disso, em BH, era o festival de mesmo nome realizado em estádios da capital. Basicamente um festival onde todos os anos tocavam Charlie Brown Jr, O Rappa, Tianastácia, Biquini Cavadão, Capital Inicial e Jota Quest. Creio que isso seja suficiente para sentir o drama. (Nota para não ser ingrato: em 2006 o New Order tocou no festival, apesar de a mesma edição também ter tido CPM 22, Nando Reis, Reação em Cadeia e, adivinhem só, Tianastácia e O Rappa).
O estigma do pop rock como gênero asséptico e limitado (tanto musicalmente como nas letras) fez com que nos últimos anos as próprias bandas tentassem se distanciar da classificação. Trabalhei por um tempo em um grande portal de música onde os artistas podiam criar seus perfis e ninguém se autoclassificava como pop rock. Por mais que fosse exatamente a sonoridade que criassem, se autodenominavam como bandas de rock alternativo ou até mesmo experimental, como se isso representasse um posicionamento estético de maior aceitação, de melhor reputação.
Isso tudo porque me peguei pensando sobre o estilo (pop rock) durante os shows da mineira Devise e dos baianos da Vivendo do Ócio na sexta, dia 9, para quase 300 pessoas na Autêntica, também em BH (no dia seguinte ambas as bandas se apresentariam em São João del-Rei, interior de Minas, em um pub lotado). Diferentes no resultado final, as duas têm uma pegada pop na essência. Enquanto o Devise vem do britpop, com muita (muita mesmo) influência de Oasis e em alguns momentos também lembra Teenage Fanclub e Snow Patrol, o Vivendo do Ócio tem muito do rock do início dos anos 2000, do Arctic Monkeys do início, The Bravery, Strokes e afins. Shows enérgicos e musicalmente no meio termo entre o pop radiofônico e o rock de suas principais influências. O resultado são boas bandas de entrada ao universo desse tipo de rock produzido entre os anos 90 e o início dos anos 2000 e, não por acaso, seus públicos são majoritariamente jovens. Rock jovem, de melodias cativantes e que rende hits latentes como "Prisioneiro do futuro" e "Qualquer hora".

Sábado, 10 de março de 2018
Depois de Thiago Pethit e O Terno (com participação da Tulipa Ruiz), que tocaram em 2016 e 2017, a atração da festa de aniversário da Autêntica em 2018 foi Ava Rocha com abertura do mineiro Lucas Avelar. Primeira vez que a vi fora de um festival. Performance mais contida, talvez pelo palco menor do que nas outras ocasiões em que a vi (no Coquetel Molotov em Recife, na edição mineira e no Popload Festival). Além dos três anos da Autêntica, a data também marcou o mesmo tempo desde o lançamento do disco Ava Patrya Yndia Yracema, segundo e mais recente álbum de Ava. Dele, vieram logo no início do show dois dos "hits" de Ava: "Você não vai passar" e "Transeunte coração".
Difícil escrever sobre um show realizado no aniversário da Autêntica porque, se você trabalha com música em BH e está ali, invariavelmente aquele é um espaço por onde passou algumas (provavelmente muitas) vezes e que nesse dia encontra muitos conhecidos. Um espaço convidativo não somente para o público local mas também para os músicos, como provam os convidados do show da Ava: não somente a já anunciada Juliana Perdigão participou como também Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz e Lucas Santtana, que estavam em BH por causa de shows em outros espaços e terminaram a noite no palco da Autêntica.
Celebrar os três anos da Autêntica é parte do reconhecimento do trabalho dos sócios e de sua equipe, que luta diariamente para manter uma casa de shows autorais com capacidade para 400 pessoas em uma cidade onde a música cover predomina e se paga R$ 30 para ouvir playlists do Spotify em boates mas é difícil cobrar R$ 20 por shows alternativos. Da minha parte, posso dizer que comemorei tanto que mal me lembro do que aconteceu para poder terminar este texto.


A foto do público no dia dos shows do Devise e Vivendo do Ócio é do Luciano Viana. A foto do encontro entre Ava Rocha, Juliana Perdigão, Tulipa Ruiz e Lucas Santtana é do Flávio Charchar.

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