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19 de outubro de 2015

As origens do heavy metal mineiro

Recentemente assisti novamente ao documentário Ruído das Minas, sobre o início da cena de heavy metal de BH, e me lembrei da série de entrevistas feitas pelo Sávio Vilela sobre o mesmo tema e reunidas em seu blog, o Desova.

O Ruído das Minas é um documentário lançado em 2009, realizado como parte de um projeto de conclusão de curso na Faculdade de Comunicação da UFMG. Apresenta imagens de arquivo e entrevistas com integrantes de bandas que fizeram parte da primeira geração do metal mineiro, como Sepultura, Overdose, Chakal, Sarcófago e Witchhammer. Alguns de seus personagens se repetem nas entrevistas feitas pelo Sávio desde 2005 e que (em algum momento, segundo ele me disse da última vez que nos encontramos) devem resultar em um livro.


Para quem se interessa pelo assunto, sugiro assistir primeiro ao filme (lembrando que é uma produção independente e feita por estudantes, sem muita produção) e depois se aprofundar nas entrevistas, uma vez que alguns assuntos pontuados no documentário são desenvolvidos nas conversas publicadas no blog.

Abaixo, trehos de algumas entrevistas.

Max Cavalera
Já ouvi falar que foi o Neurosis que fez o Sepultura começar a experimentar percussão na música de vocês. É isso mesmo? 
Foi uma das bandas pesadas que a gente viu, eu, o Igor e todo mundo, naquela época, que tinha um lance de percussão. Um lance totalmente diferente da gente, meio industrial, sei lá… Nem sei categorizar o Neurosis. O Neurosis é uma banda completamente diferente de tudo. Mas, bom, eles tinham percussão e já a gente viu um show deles e ficou “oh! Que do caralho”. Eu lembro que o Igor disse: “que doideira que os caras estão fazendo”. Meio que a semente veio daí. Não lembro exatamente qual foi a ordem, mas quando eu fiz o Nailbomb, o Dave (Edwardson), baixista do Neurosis, tocou baixo nos nossos shows ao vivo.
E a primeira vez que a gente fez uma jam ao vivo com percussão foi na Argentina, com o Titãs abrindo para a gente (N.: abril de 1994, turnê do Chaos A.D., no Estádio Obras, em Buenos Aires. O Titãs, na abertura, tomou uma chuva de cuspes dos fãs do Sepultura.). Os Titãs subiram no palco com a gente e fizemos essa jam. Uma coisa do nada.
Outro dia eu estava vendo uns lançamentos da Roadrunner, eles lançaram um DVD especial do Roots. E uma coisa que eu nem me lembrava mais o Andy Wallace (N.: produtor do Chaos A.D.) comentou nesse DVD. A gente foi fazer uma foto em Phoenix, num lugar que tinha uma monte de coisa mexicana, umas coisas xamânicas, de magia e tal… Essa casa estava cheia de instrumentos de percussão e a gente fez uma jam session.
Acho que o Andy Wallace tá certo, a primeira jam de percussão que a gente fez foi nessa casa, que eu nem lembro de quem era ou onde foi. O Andy Wallace viu aquilo e disse: “seria legal se vocês gravassem alguma coisa assim desse tipo”. E acabou virando “Kaiowas”.
Mas o Neurosis, de todos nós, o Igor que era fanzão mesmo de Neurosis. Eu comecei a ouvir mais depois dele. O Igor sempre foi mais por esse lado, ele gostava de Neurosis, Amebix, Eyehategod… E pouco a pouco eu comecei a gostar dessas bandas também. O Igor sempre foi diferente. No Sepultura, já na época do Schizophrenia, nós escutávamos Hellhammer e Slayer e ele ia para o ensaio ouvindo Beastie Boys. Mas a gente sempre ouvia coisa misturada: Slayer, Morbid Angel, Dead Kennedys, Discharge, as bandas punk finlandesas…

Sílvio Bibika Gomes
(primeiro empresário do Sepultura e colaborador de longa data da banda, co-autor da biografia Sepultura – Toda a história)
O que você acha que fez a cena eclodir e crescer da maneira que foi? 
Éramos bem mais agilizados do que a moçada de agora, o povo hoje é meio mimado. Tem show, ninguém vai. Venom veio em Belo Horizonte, foi sensação, parou. Hoje em dia, vem uma pá de banda,e neguinho: “ah não, ingresso tá caro, tá chovendo, rachei minha unha”…
A gente na década de 80 corria mais atrás. Ninguém fazia show. Então resolvemos fazer uma banda e fazer show, foi quando surgiu a cena. Eu falo que a única época que teve cena em BH foi nos anos 80. Nas devidas proporções, a gente virou a Seattle do Brasil, mas na versão heavy metal. Teve gente que mudou de São Paulo pra vir pra cá pra e montar banda. Como o Rapadura, que depois tocou no The Mist e no Soulfly. O João Gordo vinha pra cá quase que mensalmente, ficava na minha casa ou na casa do Max. O Andreas veio pro Sepultura porque Belo Horizonte era o lugar, saiu de São Paulo e veio passar férias aqui. Hoje em dia neguinho fala “aaahn Sepultura…”. Se não tivesse Sepultura, Overdose, Chakal, não tinha nada aqui hoje. Estariam escutando rádio FM até hoje.
Em 84 tinha uma cena muito pobrezinha aqui, o Rock in Rio que fez dar um boom, em janeiro de 85. O Rock in Rio mudou isso no Brasil inteiro, neguinho começou a se interessar.
Tinha o Tropa de Choque, do Reis, que era um cara que agilizava show aqui, legal pra caralho. O Overdose, que era mais velho, tinha uma base de fãs forte pra caralho, muito forte. Tinha um monte de coisa legal, não era só o Sepultura. O Sepultura, inclusive, teve uma época que era a pior banda de Belo Horizonte, era ruim pra caralho.
No final de 85, quando saiu o disco split do Overdose e Sepultura a gente tinha que vender de mão em mão, ninguém gravava disco, até o Bolão (n.: dono do tradicional restaurante Bolão Rei do Espaguete) comprou disco da gente. Era igual rifa de colégio, em seis meses a gente vendeu as mil cópias. Era uma coisa impensável um ano antes.
A partir daí a gente começou a fazer intercâmbio: vamos tocar no Rio, vamos tocar em São Paulo. Sepultura toca no Rio, depois o Dorsal Atlântica vem pra Belo Horizonte, Sepultura toca em São Paulo depois o Vulcano vem junto e toca… Era um intercâmbio muito forte, uma coisa que só é perceptível ainda na cena hardcore.

Idelber Avelar
(PhD em literatura e estudos culturais, autor do artigo Heavy Metal Music in Postdictatorial Brazil: Sepultura and the Coding of Nationality in Sound)

Em seu artigo “De Mílton ao Metal: Política e Música em Minas”, você sugere que há uma relação entre o Clube da Esquina e a cena metal de BH dos anos 80. O que há de comum entre esses dois? 
Não há uma relação direta, claro. Mas é a perda de representatividade da MPB entre a juventude que abre o caminho para as tribos que surgem nos anos 80, entre elas o metal. Ao longo dos anos 70, a MPB havia representado anseios de rebeldia e transformação social. Na medida em que a MPB vai sendo incorporada à indústria cultural e seus ícones vão se transformando em estrelas globais, a juventude começa a se apropriar de um estética roqueira que se opõe a ela. O metal surge negando, rasgando, implodindo a estética emepebista. O Clube da Esquina e o heavy metal compartilham uma relação com a iconografia cristã de Minas Gerais, mas a tomam em sentidos contrários. Mílton tentava reapropriá-la para uma política fraternal e emancipatória (pensemos em discos como Sentinela e Missa dos Quilombos). O heavy metal usaria uma estratégia oposta: esvaziaria essa simbologia de todo o significado, revirando-a pelo avesso e submetendo-a ao furor do satanismo.

Vá ao Desova para ler estas e outras entrevistas na íntegra.

Ainda sobre documentários musicais, mas sobre punk/harcdcore no Brasil, indico o Guidable - A verdadeira história do Ratos de Porão e o Botinada - A historia do punk no Brasil, ambos disponíveis online.

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