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1 de março de 2014

Midem 2014: como foi uma das maiores feiras do mercado musical mundial

Entre o fim de janeiro e o início de fevereiro estive em Cannes, no sul da França, para participar da Midem, considerada uma das maiores (talvez a maior) feira do mercado musical mundial. Em 2014, a Midem aconteceu entre os dias 1º e 4 de fevereiro no Palais des Festivals, mesmo espaço que recebe o famoso festival de cinema da cidade, e teve o Brasil como país homenageado em uma parceria com a Funarte.

Para conhecer mais sobre o mercado musical a feira é uma alternativa realmente interessante, mas não são tantas as oportunidades diretas de venda de show para os artistas. Dos dois andares utilizados pela feira, por exemplo, um deles foi praticamente todo dedicado a startups de tecnologia cujos produtos/serviços dialogam com a música.

Outro ponto é que quase todos os profissionais que estão por lá estão vendendo algum serviço (a maioria deles ligados à distribuição digital), são pouquíssimas as pessoas interessadas em contratar shows. A maioria dos estandes é de países apresentando seus artistas e isso acaba sendo muito mais interessante para os produtores de festivais que estão lá, por exemplo, mas não tanto para os artistas que querem tocar nesses países. Nesse ponto, percebe-se que Minas Gerais é um Estado que se diferencia e está à frente até mesmo de muitos países: em Minas existe o edital Música Minas, que custeia as passagens de artistas que receberem convites para se apresentar em eventos relevantes no Brasil e no exterior. A maioria dos países participantes da Midem sequer possui editais desse tipo e outros, como a Alemanha, possuem iniciativas quase idênticas. Aqui, no entanto, temos a opção de tentar viabilizar as passagens tanto através do Ministério da Cultura (e seu edital de intercâmbio) ou do Música Minas. Ponto para o governo brasileiro.

As melhores oportunidades para artistas estavam ligadas a empresas que trabalham com sincronização (venda de música pra comerciais, trilhas e afins) e alguns produtores interessados em intercâmbio cultural. O fato do Brasil estar na moda no exterior (e, em fevereiro, ainda havia toda a euforia por causa da Copa do Mundo no Brasil) aumentaram o interesse pela nossa música. Mesmo assim, é nítido que a produção contemporânea nacional ainda é pouquíssimo conhecida no exterior. Criolo, por exemplo, mesmo sendo muito badalado no Brasil e já tendo feito uma quantidade considerável de shows na Europa (além de ter tido relativo espaço na mídia especializada internacional) não passava de mais um desconhecido entre as atrações musicais da Midem. Por outro lado, foi interessante conhecer alguns jovens parisienses, mestrandos em marketing, que não apenas conheciam, mas estavam pesquisando iniciativas brasileiras como o Queremos e a Mídia Ninja.

As conversas oficiais com os produtores e profissionais do mercado aconteciam nos chamados speed meetings, rápidos encontros de cinco minutos, nos quais ter um material organizado e bem trabalhado é essencial para vender o seu produto. No entanto, é consenso que os melhores contatos são feitos fora das reuniões oficiais, durante os shows ou nas festas não-oficiais. Um dos melhores momentos da feira, por exemplo, foi uma festa promovida pelo site Pleimo no luxuoso hotel Carlton, à beira da praia, na famosa avenida La Croisette. Lá, entre a grande diversidade de bebidas gratuitas e a música ao vivo (tudo dentro da suíte do hotel), era possível bater um papo (entre outras coisas) com produtores de bandas famosas como Radiohead e My Bloody Valentine, dividir drinks com diretores de festivais como o Rock in Rio, ensinar um pouco de português pra diretoras de comerciais ou até se apaixonar por advogadas do Google (uma das melhores partes).

O Pleimo, site brasileiro que é uma mistura de MySpace com plataforma de prestação de serviços para bandas, investiu bastante na feira (Henrique Portugal, tecladista do Skank, é um dos sócios). Eles também produzem material promocional como canecas, capa de celular e afins, além de promoverem venda de ingressos e outros produtos. Estranhamente, desde do término da feira até hoje, tive pouquíssimas notícias do desenvolvimento do Pleimo.

E por falar em tecnologia e startups, esse foi um dos ramos mais interessantes da Midem. Muitos aplicativos e serviços online usam a feira como ponte para obter financiamento. Alguns dos que saíram de Cannes com novos investidores foram o estranho Nagual Dance (que permite "tocar" instrumentos virtuais e disparar samples através de gestos corporais - veja vídeo abaixo), Weezic (app que ajuda estudantes de música a estudar) e Starlize (aplicativo para criação de vídeoclipes no celular), destaque também para o Cubic FM (para criação de playlists através de diferentes serviços de streaming).
 

Os shows promovidos durante a Midem geralmente não contam com artistas famosos internacionalmente e são oferecimentos dos países participantes. Eles usam a plataforma como meio de divulgação de sua produção cultural, caso dos showscases brasileiros (com Criolo, ZeMaria, Raquel Coutinho e Alceu Valença) e Taiwan, por exemplo. Mas como a pequena cidade é tomada por profissionais da indústria musical durante o evento, eventos paralelos também podem contar com boas atrações, como foi o caso da ótima banda japonesa Lite, que se apresentou fora da programação oficial.

As palestras são outro ponto forte da Midem. Foram dezenas, abordando os mais diversos temas dentro da cadeia produtiva da música. A grande maioria delas, felizmente, está disponível na íntegra no canal do evento no Youtube. Uma das mais interessantes e divertidas em que estive foi a do francês Olivier François, diretor de markerting e membro do conselho do grupo Chrysler, que explicou a estratégia das empresas do grupo em se relacionar com a música. Uma história engraçada contada por Olivier: em 2012,  a Chrysler abriu mão de utilizar, de graça, a música "Blurred Lines", do Robin Thicke, por não achar que ela tinha potencial. Posteriormente, a música virou um dos maiores e mais rentáveis hits de 2013. Depois dessa experiência, quando o produtor do Pharrel Williams foi até a empresa tentar fechar uma parceria para a música "Happy", a Chrysler não quis cometer o mesmo erro e investiu na música. O resultado? Um hit mundial em 2014, com cerca de 500 milhões de views no Youtube e prêmios para o Pharrel.

No geral, a dica que fica é que se você for um artista interessado em ir à Midem, repense. A inscrição é cara (para 2015, quando a Midem acontece entre 5 e 8 de junho, a inscrição custa incríveis €525, mais de R$ 1.600) e ainda existem todos os custos da viagem até Cannes, além da hospedagem. Agora, se você tiver dinheiro disponível, vale pela experiência e por eventuais desdobramentos para a carreira, mas não crie muitas expectativas.

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