Como a ausência de publicações dedicadas à música, por um breve período da década, pode ter ajudado no fortalecimento da cena indie
Há exatos cinco anos quem se interessava por música e lia sobre o assunto acompanhou, em um período de dois meses, o surgimento de duas novas revistas sobre o assunto: a FRENTE e a [ ] ZERO.
Em sua primeira edição, datada de março/abril daquele ano, a FRENTE - revista da nova música, chegava às bancas por R$ 10,90, acompanhada de um CD com novos nomes da música independente brasileira. Criada pelos jornalistas Emerson Gasperin, Marcelo Ferla e Ricardo Alexandre, a FRENTE se auto-intitulava como "uma revista para a minoria que luta contra o pensamento corrente de que só a burrice se comunica com o povo" e tinha interesse especial pela nova produção musical brasileira, além de abordar lançamentos internacionais e cultura pop. Quatro meses e duas edições depois, a revista chegava ao fim.
São vários os fatores que levaram a revista ao fim, entre eles o alto preço, devido ao CD encartado e a situação do mercado editorial brasileiro na época (a situação é melhor explicada em entrevista com um dos editores, que você lê mais abaixo, tenha calma).
O caso da [] ZERO é um pouco diferente. Além de ter sobrevivido por mais tempo (teve 13 edições e acabou em meados de 2004) a revista tentava ser mais ampla do que apenas "mais uma revista de música". O que se viu no início foi um modelo de revista semelhante à Rolling Stone, com outras pautas além da música, resultando em algumas matérias de comportamento, turismo, etc. Após mudar de editora, diminuir o preço de R$ 6,90 para R$ 4,90 e deixar de ser mensal para a famosa periodicidade "quando der", a revista chegou ao fim.
Antes de ambas as revistas chegarem ao mercado, a Bizz, até então maior revista do segmento, já havia parado de circular. Com o fim da [] ZERO, a situação passou a ser ainda mais crítica, restando apenas algumas poucas revistas dedicadas exclusivamente à música, muitas de qualidade duvidosa, todas com menos tiragem (a [] ZERO, por exemplo, tinha tiragem em torno de 40 mil exemplares).
O que é interessante perceber é que justamente em um momento sem grandes publicações voltadas para música é que a cena indie nacional passou a se consolidar de forma jamais vista anteriormente. Claro, a maior parte disto, graças à internet.
Pode parecer absurdo, e talvez o seja, mas eis uma hipótese para explicar parte de tal fenômeno: sem as publicações, que em maior parte davam destaque à música internacional, o público passou a se informar majoritariamente através da internet, um espaço no qual acabou sendo mais fácil conhecer e se aproximar de novas bandas alternativas brasileiras. Eventualmente, até mesmo procurando informação sobre alguma banda internacional, em sites em português, você acaba se deparando com algum artista nacional. Então, de certa forma, nesta hipótese, talvez o fim temporário das publicações dedicadas à música no país tenha contribuído para o fortalecimento da cena indie.
Mas é preciso cautela. Talvez possa soar absurdo, mas lembre-se de que se trata de uma hipótese. Junto a ela, deve-se colocar o fato da ausência de grandes shows internacionais, outro fator crucial para que outros nomes da cena indie brasileira fossem conhecidos.
No caso da FRENTE, sua ausência não se encaixa no que é colocado acima. É justamente o contrário, a revista propunha a revitalização do pop nacional e caso sua vida editorial tivesse se estendido, teríamos apenas benefício em relação à cena tupiniquim.
Contanto, mais do que afirmar as razões ou a verdade em torno do assunto, o motivo deste texto é fazer pensar. Concorde ou não com o que foi proposto, caso ocorra uma discussão em relação à tudo isto, revistas, jornalismo musical, cena indie, ao menos parte do objetivo terá sido alcançado.
Relatos dos naufrágios
Completando, abaixo estão trechos de entrevistas com Luiz César Pimentel, diretor de redação da extinta [] ZERO, e Ricardo Alexandre, editor da também extinta FRENTE. Ambas as entrevistas foram originalmente publicadas no site Observatório da Imprensa e ajudam a entender estas duas experiências editoriais que infelizmente não deram certo.
Como todo conteúdo do Observatório está em copyleft, temos autorização para republicar aqui o conteúdo das entrevistas, em troca da citação do site e do autor das respectivas entrevistas, no caso, Rodney Brocanelli.
(Os textos abaixo não foram alterados e estão exatamente da forma em que foram publicados originalmente)
Luiz César Pimentel.
Trechos de entrevista de 31/08/2004 misturados com partes da entrevista de 12/08/2003.
Como é que surgiu a idéia de fazer a revista?
Na época em que eu estava trabalhando na revista Trip, conheci o Daniel Motta. Nesse período, conheci também os jornalistas Marcelo Costa e Alexandre Petillo, e eles tinham a idéia de fazer uma publicação cultural mais focada na música. Durante seis meses, entre o meio de 2001 ao início de 2002, o projeto da Zero foi uma válvula de escape para nós. Ninguém estava satisfeito com aquilo que estava fazendo e não encontrávamos na banca uma revista do jeito que queríamos ler. A Bizz tinha parado de circular havia algum tempo, mas seu fim não foi um fator que nos motivou. Mesmo que ela tivesse continuado, não era o tipo de publicação que queríamos fazer. Nesses seis meses, bolamos o projeto editorial e o Daniel bolou o projeto gráfico. A partir do começo de 2002 decidimos nos concentrar mais na Zero. Na equipe ficaram o Daniel, o Alexandre, eu e chamamos depois o Marco Bezzi. A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. Demos a sorte de encontrar uma editora que apostou no nosso trabalho e, em abril, o primeiro exemplar foi para as bancas.
Quais são os custos?
Não dá para estabelecer um custo certo, pois cada edição tem uma produção (logo, custo) única. Nesta fase em que montamos a própria editora, apenas de gráfica, para 25 mil exemplares, o custo bate em R$ 35 mil. Daí dá para tirar por base.
Segundo o comunicado publicado no site, o mercado publicitário não teria percebido que anunciar na Zero seria um bom negócio. Você acha que existe preconceito de grandes anunciantes em relação a revistas independentes?
Preconceito é uma palavra muito forte para ser usada neste caso. Talvez uma miopia. Agências de publicidade funcionam à base de porcentagem – logo, é mais interessante para elas pagar bem pelo anúncio, e na hora de justificar para o cliente, vai usar o nome da publicação, se isentando de eventuais "culpas". O que não entendo é chegar para um cliente menor, direto, e falar: "Olha, para anunciar na Zero você vai pagar X, e vai atingir o mesmo público (em quantidade, qualificação etc.) que atinge se anunciar na revista Y, que te cobra cerca de 8 vezes esse valor", e o cara não realizar isso. Dias depois você vai falar com ele e o cara fica reclamando de dinheiro. Ora, no meu mundo, se eu estou com falta de grana, vou maximizar o custo/benefício do dinheiro. É a lógica e é o lógico. Mas nem todo mundo enxerga isso.
Como você avalia o mercado de revistas sobre música em geral? Há bons trabalhos?
Existe uma idiotice que querem embutir no jornalismo cultural, de que para um se dar bem o outro tem que se dar mal. Esses caras não são meus concorrentes, eles são meus parceiros. Meus concorrentes são outros, são os problemas que dizem respeito ao Brasil como um todo. Eu queria muito que a Frente tivesse continuado. Quero muito que ela volte, porque eu gosto muito do trabalho que o Ricardo Alexandre faz, que o Émerson Gasperin faz....
O que você achou da Frente?
Eu achei uma revista ótima. É uma pena que num país de 170 milhões de pessoas não exista um título que trate com decência a música alternativa brasileira como eles tratavam. É um absurdo não ter isso. Não vou analisar onde eles acertaram ou erraram, pois só eles sabem o que aconteceu, isso não diz respeito a mim. Acho uma pena também que não exista mais a Play. O Alexandre Matias (editor da publicação) era muito bom no que fazia. As revistas da MTV e da Rádio 89 FM são um pouco diferentes, pois nasceram a partir de uma marca. Torço muito para que a Crocodilo dê certo. Acabo me vendo na época em que eu tinha 15 anos e comprava na banca a Bizz, a Metal, a Rock Brigade, a Casseta Popular, o Planeta Diário, então tinha esse leque. Quero que haja mais revistas, não quero ser o único no meu segmento.
O que você pensa da tendência de produtos casados nas bancas, uma revista mais um CD de brinde?
Era o que queríamos fazer, mas acabou sendo inviável comercialmente. Mantemos a Zero num custo superbaixo para que o maior número de pessoas tenha acesso. Acho complicado tocar a revista com o preço de R$ 6,90, como era no nosso começo. O leitor vai à banca, dá uma nota de R$10 ao jornaleiro, recebe umas moedas de troco e acabou. Ele pensa três vezes antes de comprar. E eu quero ter o maior número possível de leitores, meu interesse é facilitar o trabalho do leitor, por isso o preço a R$ 4,90. O ideal seria que as gravadoras nos procurassem para coordenar esse trabalho de incluir um CD na revista de uma forma que não houvesse custo para nós. O ideal é ter uma revista com um CD encartado, como a Uncut (publicação inglesa), na qual é possível ler uma matéria sobre uma banda e escutar a sua música. Infelizmente, essa não é a realidade brasileira.
Vamos falar em números. Qual seria a circulação da Zero?
A tiragem é de 50 mil exemplares. A Zero vende bem, vende mais que muita revista que posa de bacana. Isso eu posso garantir. Sabe qual é o problema sobre falar em números? É que tem gente falando que vende 100 mil exemplares. Depois, vai conferir no IVC e está lá que a revista só vendeu 22 mil exemplares. Quer dizer, tem 78 mil revistas que estão no éter. Onde é que esses exemplares estão? Se eu falar dos números da Zero, vou estar sendo meio bobo, porque todo mundo joga as suas circulações lá em cima. Diria que dessa revista que diz vender 100 mil nós vendemos uns dois terços desse número.
Uma coisa que se percebe em revistas sobre música é a dificuldade de se encontrar anunciantes que não sejam gravadoras. Como vocês lidam com isso?
Aqui na acabamos concentrando tudo na nossa mão. Temos uma equipe de cinco pessoas agora porque vai ser lançada uma revista nova. E vem mais uma para cuidar do departamento comercial. Eu não tenho como reclamar das gravadoras. O problema não é isso. Pegue um CD e veja quanto ele custa para uma gravadora. Se dividir em porcentagem, vai estar lá x por cento para a distribuição, x por cento de divulgação. Seria muito mais interessante assumir que essa divulgação é o jabá. O que eu vou fazer se tem um programa de TV que cobra 15 mil reais para o artista aparecer lá uma vez? .E eu não estou falando isso de forma aleatória, eu conheço a tabela cobrada por alguns programas. É claro que eu não estou dizendo que todos fazem isso. Fizemos muitos programas de TV que eram do bem, como na MTV, aparecemos no Jornal da MTV, no Lado B. Aparecemos também no Alto Falante, no Musikaos. Mas eu vou falar para alguém de uma gravadora: "Anuncia na Zero e não paga os 15 mil para as emissoras de TV"? Vou falar uma coisa dessas? Não. O problema é da estrutura mesmo, da coisa nascer errada da raiz.
Você não é a primeira pessoa que fala que o jabá deveria ser transparente, esse é o caminho?
Todo mundo sabe que rola o jabá, então que se assuma na cara dura isso aí. Óbvio que não interessa a quem paga e nem a quem recebe, então nunca vai ser transparente.
E a internet, que acabou sendo um organismo à parte da revista?
Para nós é um braço bastante forte da revista. Podemos ver isso pelo número de acessos. Eu calculo que a audiência está subindo. Há uns dois ou três meses, estávamos com mais de 50 mil visitantes únicos por mês, 50 mil pessoas diferentes que entraram no site da Zero de forma espontânea. Isso para nós é fenomenal. Mas se você colocar a internet dentro do jornalismo cultural, ela acaba sendo uma praga...
Como você avalia o estágio atual da critica musical no Brasil?
Muita gente da nossa geração se identifica com a antiga revista Bizz, no tempo em que trabalhavam nela o Alex Antunes, o André Forastieri. A partir daí, houve uma grande entressafra, que começou a partir dos anos 90. Não vi pessoas de peso que assumiram esse bastão desde então. Existem críticos muito bons, mas acabaram isolados Tem o Lúcio Ribeiro, de quem eu gosto muito, a Folha sempre foi boa de crítica musical. Gosto do Jotabê Medeiros, do Estadão.
A internet não estaria criando uma geração nova de críticos?
Eu acho que a internet está criando aquela geração meio perdida da qual estávamos falando anteriormente. Na verdade, ela acaba criando pequenos grupinhos na rede. Então, surge o pequeno grupo de um determinado site. É engraçado ver essa dinâmica.
Como é o esquema de distribuição da Zero?
É nacional. A partir da edição 6 foi reorganizado o esquema. As praças onde mais se vende a revista recebem primeiro. Depois, os exemplares são recolhidos e há a redistribuição para o resto do Brasil. Chegavam muitos mails de leitores, do tipo: "Eu estou em Santarém e não vi a revista nas bancas", mas agora está todo mundo encontrando a Zero depois dessa reorganização.
Como você vê a crise atual do mercado editorial?
Desde que eu nasci existe a crise, mas ela não pode impedir ninguém de produzir, não pode ser uma desculpa para ficar sentado. Quando fizemos o boneco da Zero, o levamos para uma série de jornalistas e eles diziam: "Pô, boa sorte... vocês têm certeza de que é isso mesmo que querem fazer? Vocês vão precisar de sorte." Trabalhei em vários lugares legais, mas o que mais me deu prazer foi quando inventei meu emprego. Isso aconteceu em duas ocasiões: uma quando mudei para a Ásia e fiquei um ano lá como correspondente, e a outra quando eu resolvi fazer a Zero.
Na época em que eu estava trabalhando na revista Trip, conheci o Daniel Motta. Nesse período, conheci também os jornalistas Marcelo Costa e Alexandre Petillo, e eles tinham a idéia de fazer uma publicação cultural mais focada na música. Durante seis meses, entre o meio de 2001 ao início de 2002, o projeto da Zero foi uma válvula de escape para nós. Ninguém estava satisfeito com aquilo que estava fazendo e não encontrávamos na banca uma revista do jeito que queríamos ler. A Bizz tinha parado de circular havia algum tempo, mas seu fim não foi um fator que nos motivou. Mesmo que ela tivesse continuado, não era o tipo de publicação que queríamos fazer. Nesses seis meses, bolamos o projeto editorial e o Daniel bolou o projeto gráfico. A partir do começo de 2002 decidimos nos concentrar mais na Zero. Na equipe ficaram o Daniel, o Alexandre, eu e chamamos depois o Marco Bezzi. A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. Demos a sorte de encontrar uma editora que apostou no nosso trabalho e, em abril, o primeiro exemplar foi para as bancas.
Quais são os custos?
Não dá para estabelecer um custo certo, pois cada edição tem uma produção (logo, custo) única. Nesta fase em que montamos a própria editora, apenas de gráfica, para 25 mil exemplares, o custo bate em R$ 35 mil. Daí dá para tirar por base.
Segundo o comunicado publicado no site, o mercado publicitário não teria percebido que anunciar na Zero seria um bom negócio. Você acha que existe preconceito de grandes anunciantes em relação a revistas independentes?
Preconceito é uma palavra muito forte para ser usada neste caso. Talvez uma miopia. Agências de publicidade funcionam à base de porcentagem – logo, é mais interessante para elas pagar bem pelo anúncio, e na hora de justificar para o cliente, vai usar o nome da publicação, se isentando de eventuais "culpas". O que não entendo é chegar para um cliente menor, direto, e falar: "Olha, para anunciar na Zero você vai pagar X, e vai atingir o mesmo público (em quantidade, qualificação etc.) que atinge se anunciar na revista Y, que te cobra cerca de 8 vezes esse valor", e o cara não realizar isso. Dias depois você vai falar com ele e o cara fica reclamando de dinheiro. Ora, no meu mundo, se eu estou com falta de grana, vou maximizar o custo/benefício do dinheiro. É a lógica e é o lógico. Mas nem todo mundo enxerga isso.
Como você avalia o mercado de revistas sobre música em geral? Há bons trabalhos?
Existe uma idiotice que querem embutir no jornalismo cultural, de que para um se dar bem o outro tem que se dar mal. Esses caras não são meus concorrentes, eles são meus parceiros. Meus concorrentes são outros, são os problemas que dizem respeito ao Brasil como um todo. Eu queria muito que a Frente tivesse continuado. Quero muito que ela volte, porque eu gosto muito do trabalho que o Ricardo Alexandre faz, que o Émerson Gasperin faz....
O que você achou da Frente?
Eu achei uma revista ótima. É uma pena que num país de 170 milhões de pessoas não exista um título que trate com decência a música alternativa brasileira como eles tratavam. É um absurdo não ter isso. Não vou analisar onde eles acertaram ou erraram, pois só eles sabem o que aconteceu, isso não diz respeito a mim. Acho uma pena também que não exista mais a Play. O Alexandre Matias (editor da publicação) era muito bom no que fazia. As revistas da MTV e da Rádio 89 FM são um pouco diferentes, pois nasceram a partir de uma marca. Torço muito para que a Crocodilo dê certo. Acabo me vendo na época em que eu tinha 15 anos e comprava na banca a Bizz, a Metal, a Rock Brigade, a Casseta Popular, o Planeta Diário, então tinha esse leque. Quero que haja mais revistas, não quero ser o único no meu segmento.
O que você pensa da tendência de produtos casados nas bancas, uma revista mais um CD de brinde?
Era o que queríamos fazer, mas acabou sendo inviável comercialmente. Mantemos a Zero num custo superbaixo para que o maior número de pessoas tenha acesso. Acho complicado tocar a revista com o preço de R$ 6,90, como era no nosso começo. O leitor vai à banca, dá uma nota de R$10 ao jornaleiro, recebe umas moedas de troco e acabou. Ele pensa três vezes antes de comprar. E eu quero ter o maior número possível de leitores, meu interesse é facilitar o trabalho do leitor, por isso o preço a R$ 4,90. O ideal seria que as gravadoras nos procurassem para coordenar esse trabalho de incluir um CD na revista de uma forma que não houvesse custo para nós. O ideal é ter uma revista com um CD encartado, como a Uncut (publicação inglesa), na qual é possível ler uma matéria sobre uma banda e escutar a sua música. Infelizmente, essa não é a realidade brasileira.
Vamos falar em números. Qual seria a circulação da Zero?
A tiragem é de 50 mil exemplares. A Zero vende bem, vende mais que muita revista que posa de bacana. Isso eu posso garantir. Sabe qual é o problema sobre falar em números? É que tem gente falando que vende 100 mil exemplares. Depois, vai conferir no IVC e está lá que a revista só vendeu 22 mil exemplares. Quer dizer, tem 78 mil revistas que estão no éter. Onde é que esses exemplares estão? Se eu falar dos números da Zero, vou estar sendo meio bobo, porque todo mundo joga as suas circulações lá em cima. Diria que dessa revista que diz vender 100 mil nós vendemos uns dois terços desse número.
Uma coisa que se percebe em revistas sobre música é a dificuldade de se encontrar anunciantes que não sejam gravadoras. Como vocês lidam com isso?
Aqui na acabamos concentrando tudo na nossa mão. Temos uma equipe de cinco pessoas agora porque vai ser lançada uma revista nova. E vem mais uma para cuidar do departamento comercial. Eu não tenho como reclamar das gravadoras. O problema não é isso. Pegue um CD e veja quanto ele custa para uma gravadora. Se dividir em porcentagem, vai estar lá x por cento para a distribuição, x por cento de divulgação. Seria muito mais interessante assumir que essa divulgação é o jabá. O que eu vou fazer se tem um programa de TV que cobra 15 mil reais para o artista aparecer lá uma vez? .E eu não estou falando isso de forma aleatória, eu conheço a tabela cobrada por alguns programas. É claro que eu não estou dizendo que todos fazem isso. Fizemos muitos programas de TV que eram do bem, como na MTV, aparecemos no Jornal da MTV, no Lado B. Aparecemos também no Alto Falante, no Musikaos. Mas eu vou falar para alguém de uma gravadora: "Anuncia na Zero e não paga os 15 mil para as emissoras de TV"? Vou falar uma coisa dessas? Não. O problema é da estrutura mesmo, da coisa nascer errada da raiz.
Você não é a primeira pessoa que fala que o jabá deveria ser transparente, esse é o caminho?
Todo mundo sabe que rola o jabá, então que se assuma na cara dura isso aí. Óbvio que não interessa a quem paga e nem a quem recebe, então nunca vai ser transparente.
E a internet, que acabou sendo um organismo à parte da revista?
Para nós é um braço bastante forte da revista. Podemos ver isso pelo número de acessos. Eu calculo que a audiência está subindo. Há uns dois ou três meses, estávamos com mais de 50 mil visitantes únicos por mês, 50 mil pessoas diferentes que entraram no site da Zero de forma espontânea. Isso para nós é fenomenal. Mas se você colocar a internet dentro do jornalismo cultural, ela acaba sendo uma praga...
Como você avalia o estágio atual da critica musical no Brasil?
Muita gente da nossa geração se identifica com a antiga revista Bizz, no tempo em que trabalhavam nela o Alex Antunes, o André Forastieri. A partir daí, houve uma grande entressafra, que começou a partir dos anos 90. Não vi pessoas de peso que assumiram esse bastão desde então. Existem críticos muito bons, mas acabaram isolados Tem o Lúcio Ribeiro, de quem eu gosto muito, a Folha sempre foi boa de crítica musical. Gosto do Jotabê Medeiros, do Estadão.
A internet não estaria criando uma geração nova de críticos?
Eu acho que a internet está criando aquela geração meio perdida da qual estávamos falando anteriormente. Na verdade, ela acaba criando pequenos grupinhos na rede. Então, surge o pequeno grupo de um determinado site. É engraçado ver essa dinâmica.
Como é o esquema de distribuição da Zero?
É nacional. A partir da edição 6 foi reorganizado o esquema. As praças onde mais se vende a revista recebem primeiro. Depois, os exemplares são recolhidos e há a redistribuição para o resto do Brasil. Chegavam muitos mails de leitores, do tipo: "Eu estou em Santarém e não vi a revista nas bancas", mas agora está todo mundo encontrando a Zero depois dessa reorganização.
Como você vê a crise atual do mercado editorial?
Desde que eu nasci existe a crise, mas ela não pode impedir ninguém de produzir, não pode ser uma desculpa para ficar sentado. Quando fizemos o boneco da Zero, o levamos para uma série de jornalistas e eles diziam: "Pô, boa sorte... vocês têm certeza de que é isso mesmo que querem fazer? Vocês vão precisar de sorte." Trabalhei em vários lugares legais, mas o que mais me deu prazer foi quando inventei meu emprego. Isso aconteceu em duas ocasiões: uma quando mudei para a Ásia e fiquei um ano lá como correspondente, e a outra quando eu resolvi fazer a Zero.
Ricardo Alexandre.
Trechos de entrevista publicada no dia 01/07/2003.
A Frente lançou três boas edições em 2002. Depois, não foi mais encontrada nas bancas. O que houve?
Nós, a REM editora, que era o núcleo de criação para a Editora Ágata, que cuidava da produção do título, tínhamos um acordo de publicação de três edições para seis meses – um tempo que, em nossa cabeça, seria suficiente para corrigir imperfeições de rota e posicionar a revista junto ao público. O acordo foi cumprido à risca, e não houve interesse nem da parte deles, nem da nossa, de continuar o título. Deles, porque era uma revista deficitária; nossa, porque nós trabalhávamos sem borderô, mas mesmo assim pagávamos todo mundo direitinho... aí chegava no fim do mês e não tínhamos dinheiro sequer para abastecer o carro. Quer dizer, eu nem carro tinha mais na época da terceira edição.
Em que momento você e os outros editores da Frente sentiram que não seria mais possível voltar com o titulo?
Falando muito francamente, a Frente não era a revista dos nossos sonhos – no sentido de que a Rolling Stone é a revista do sonhos do Jan Wenner ou a Trip a revista dos sonhos do Paulo Lima. A Frente era o que nós achávamos mais interessante de fazer com a estrutura que tínhamos (ou seja, nenhuma estrutura) – talvez soe meio blasé assim, escrito, mas quem é jornalista entende do que eu estou dizendo. Não tínhamos nem redação para receber cartas, nem mesa para reuniões – combinávamos a pauta na padaria, para você ter uma idéia.
Fazíamos a revista com o maior amor, com 150% de nossas vidas nela não porque acreditássemos no rock’n’roll ou na "causa" independente, mas porque achávamos que era possível fazer jornalismo musical àquela altura do campeonato, por um esquema absolutamente independente, com um cuidado de acabamento, de edição e de pauta comparáveis aos das revistas das grandes corporações, senão melhor.
Bem, nós conseguimos, mas a custa de um processo mecânico de edição muito cruel – você não imagina a trabalheira que dava aquilo que chamávamos de "show de edição", com matérias cheias de boxes, depoimentos etc. Você vê, a maior parte das revistas independentes é feita de matérias com uma, no máximo duas fontes por pauta. Um fotão, um textão, pingue-pongue de preferência, um monte de artigos e um abraço. Nós não admitíamos essa pobreza na Frente. No momento em que vimos que todo esse trabalho não revertia capital (financeiro e conceitual) para a gente, decidimos que só seguiríamos sob outro método de trabalho (o que era uma possibilidade, porque tínhamos três ótimas revistas como portfólio para oferecer a outra editora). Como esse acordo nunca houve, a revista acabou, mais ou menos seis meses depois de acabar de fato.
A Frente surgiu com a proposta de ajudar na "reconstrução do pop nacional". A revista conseguiu ser eficiente nesse item de seu projeto editorial ou não houve tempo para isso?
A história da reconstrução do pop nacional nasceu um pouco como um mood sobre o qual se desenrolaria toda a edição da Frente, uma espécie de "conceito" sobre o qual trabalharíamos. Hoje, eu acho que não haverá mais pop nacional. Acho que estamos entrando em uma era (de, talvez, 10 ou 15 anos) em que a música será muito pouco importante para as pessoas. Isso é numérico. As pessoas que compram discos hoje são as mesmas que compravam discos em 1989: há uma lacuna geracional enorme acontecendo, o público da MTV, da internet e da Capricho, que tem música o tempo todo e para quem música não significa lhufas.
O público da Frente (que era uma revista de bandas novas, de molecada mesmo) tinha a maioria de seus leitores com mais de 25, 30, às vezes de até 40 anos. Engenheiros, advogados, caras assim, gente que ainda se importa com música, mas que não tem esse engajamento que só o tempo ocioso permite nos nossos 15 anos...
Então, voltando à pergunta, acho que o pop nacional não será reconstruído, ele continuará fragmentado e repleto de "nichos", nos quais os maiores artistas venderão, 10, 15, 20 mil discos. Pode parecer ruim pra mim, que sou "de outro tempo", mas talvez seja um respiro necessário na história. Uma banda como Skank que, na minha visão, é o ideal do pop (eles vieram do circuito independente, são sofisticados e populares pra caramba etc.), só vai existir enquanto Skank existir. Depois, babau.
E a questão do CD que vinha encartado na revista? Quais os fatores que fizeram com que ele fosse deixado de lado na terceira edição?
Vários: 1) as três edições eram para experimentar mesmo, ainda mais depois das baixas vendas da primeira; 2) revista com CD precisa vir lacrada: como o nosso papel era bem fino, apesar de bem-impresso, a revista parecia muito mais fininha do que era na realidade; 3) revista com CD tem tradição de picaretagem, de revista só para justificar o CD, não era nosso caso, mas, como a revista vinha lacrada, o leitor não podia conferir nossa qualidade folheando a revista na banca; 4) o preço de produção de um CD precisa ser multiplicado pelo percentual do distribuidor, do jornaleiro e do lastro de equilíbrio da operação, ou seja, encarece a revista pra burro; 5) o valor "metafísico" de um CD está muito reduzido, por causa da pirataria e do Mp3. Como cobrar algo que o público pode ter de graça ou bem baratinho?
Nossa idéia inicial era, com nossos discos, estabelecer um trânsito com rádios universitárias, fazer hits underground em cima do nosso disco, mas elas não se mostraram muito receptivas – "a gente pode baixar da internet, não precisa do CD da revista", eu tive de ouvir. Então tá, né?
Qual era a circulação paga da Frente?
Se eu falar a venda de verdade, vocês vão desacreditar imediatamente da venda de todas as outras revistas independentes brasileiras, que falam em 20 mil, 30 mil... Digamos que era vexatória.
Os problemas de distribuição que aconteceram na primeira edição, quando leitores de outros estados não conseguiram encontrar a revista nas bancas, chegaram a prejudicar seu desempenho?
Claro, mas seria muito fácil e desonesto botar a culpa nisso. Não: a culpa foi da gente, que foi incapaz de criar um produto que centralizasse as aspirações de um número de pessoas suficientemente grande para manter o título vivo e nosso padrão de vida minimamente decente. Ou de propor uma parceria com alguma editora que previsse algum tipo de estrutura de trabalho ou um borderô mínimo de trabalho. Superestimamos o número de pessoas como nós no Brasil – uma ilusão que a internet cria, como num jogo de espelhos: no fim, tínhamos a certeza de que muito mais pessoas reclamavam de uma coisa ou outra do que realmente comprava a revista. Eu acho realmente que, se um produto gera interesse, ele vende: nego encomenda ao primo que mora em São Paulo, viaja e compra etc. Ainda mais com uma tiragem de 30 mil exemplares.
Qual seria a contribuição deixada pela Frente no jornalismo musical?
Será que deu tempo para isso? Creio que não houve repercussão suficiente para tanto. Para mim, posso dizer que hoje domino muito mais estágios da produção de uma revista do que quando entrei nessa aventura. Só por isso, já valeu a pena.
Você acompanhou a denúncia feita pelo Lúcio Ribeiro em sua coluna na Folha Online sobre picaretagens no jornalismo cultural? Segundo ele, há jornalista que inventa entrevistas. Conhece algum caso assim?
Bem, o caso mais famoso foi aquele envolvendo o Pepe Escobar, na Folha, que eu conto com detalhes no meu livro e tudo, mas, claro, sei de vários outros casos. Não me sinto confortável para opinar sobre isso, porque estou mais fora do que dentro da grande imprensa, e pode soar como revanchismo, mas... acho que tudo se relaciona com uma visão bastante infantil e contraproducente sobre o que é rock’n’roll, sabe? Um clichê de pobreza mental, da perversão do "menos é mais", que quando usada como resistência produz o movimento punk, mas usada como regra produz um cenário pop desengonçado e irrelevante como nós temos, sem artistas, sem revistas, sem nada. Isso chega até os jornalistas.
Quantas vezes você não ouviu um crítico musical dizer que "ora, não dê tanta importância para as bobagens que eu escrevo, isso é só rock’n’roll"? Ou "vá cobrar profundidade do noticiário de política"? Ou "uma crítica não tem poder para tudo isso"? Apologia da irresponsabilidade. Todo mundo acha bonita essa "irreverência", e quem se insurge contra isso passa por conservador. Então, teremos de conviver com o colunista que passa a vida apenas repercutindo revistas estrangeiras, o jornalista que comenta os melhores do ano dizendo que os prediletos de seu próprio leitor são um lixo, o outro cara orgulhoso de ter escrito um livro em quatro meses copiando tudo na internet e ganhando espaço no Fantástico dado por seu amigo...
Assim, que diferença faz se o cara copia tudo da Uncut e assume, ou se ele copia da Rolling Stone e disfarça? Vai dar no mesmo: em país sem imprensa musical, uma imprensa sem leitores e uma música pop sem credibilidade. O abismo cultural que o Brasil defende, se achando muito "rock'n'roll".
Você mudou sua opinião sobre a crítica musical? Ainda há repórteres que cobrem lançamentos de discos como cobririam enchentes ou medidas-provisórias?
Olha, eu vou falar uma coisa meio chata para jovens jornalistas culturais, mas quero deixar claro que ela ainda não está muito certa na minha cabeça, se como uma certeza que eu tenho ou se não passa de um mecanismo de proteção mental. Eu acho mesmo que o que a indústria musical fez nos últimos anos, inventando e desinventando artistas de proveta, apostando na praticidade em detrimento da qualidade (os micro-systems substituindo os aparelhos modulares, o CD substituindo o LP etc.) nos levou a um beco sem saída.
Quem não se importa com qualidade de som, nem com capinha bacana ou encarte jóia, apenas com a praticidade, se contenta com o Mp3; quem quer artista descartável compra o disco pirata (pra escutar só por um mês). Acho que, isso somado à crise de credibilidade da indústria do entretenimento (que vai da publicidade ao Hulk feito de computador) e à assombrosa facilidade tecnológica de gravar e distribuir música, produzirá uma grande era de gente desinteressada por música, embora se continue consumindo música o tempo todo.
Então, vai ser assim: o público do Rouge não quer ler uma matéria profunda sobre as minas (a Caras já basta), então não vai comprar a reportagem que você escreveu com tanto zelo; o público do DJ Patife não é numeroso o suficiente para garantir boas vendas. Hoje, se estivesse começando no jornalismo, talvez me especializasse em cobrir enchentes ou medidas provisórias para garantir meu sustento e, por lazer, fazer um blog sobre música – só de opiniões, ou chupando notícias de outros sites, porque, ora bolas, vai ser de graça mesmo.
Já deu pra ver que passar seis anos pesquisando sobre o rock brasileiro dos anos 80 não vai mais rolar, OK?? Acho que, em linhas bem gerais, este será o retrato da imprensa musical até que, daqui a uns 20 anos, quem sabe, surja um Bob Dylan com um violãozinho e uma voz fanha encerrando essa crise de credibilidade em que todos nós nos enfiamos.
Nós, a REM editora, que era o núcleo de criação para a Editora Ágata, que cuidava da produção do título, tínhamos um acordo de publicação de três edições para seis meses – um tempo que, em nossa cabeça, seria suficiente para corrigir imperfeições de rota e posicionar a revista junto ao público. O acordo foi cumprido à risca, e não houve interesse nem da parte deles, nem da nossa, de continuar o título. Deles, porque era uma revista deficitária; nossa, porque nós trabalhávamos sem borderô, mas mesmo assim pagávamos todo mundo direitinho... aí chegava no fim do mês e não tínhamos dinheiro sequer para abastecer o carro. Quer dizer, eu nem carro tinha mais na época da terceira edição.
Em que momento você e os outros editores da Frente sentiram que não seria mais possível voltar com o titulo?
Falando muito francamente, a Frente não era a revista dos nossos sonhos – no sentido de que a Rolling Stone é a revista do sonhos do Jan Wenner ou a Trip a revista dos sonhos do Paulo Lima. A Frente era o que nós achávamos mais interessante de fazer com a estrutura que tínhamos (ou seja, nenhuma estrutura) – talvez soe meio blasé assim, escrito, mas quem é jornalista entende do que eu estou dizendo. Não tínhamos nem redação para receber cartas, nem mesa para reuniões – combinávamos a pauta na padaria, para você ter uma idéia.
Fazíamos a revista com o maior amor, com 150% de nossas vidas nela não porque acreditássemos no rock’n’roll ou na "causa" independente, mas porque achávamos que era possível fazer jornalismo musical àquela altura do campeonato, por um esquema absolutamente independente, com um cuidado de acabamento, de edição e de pauta comparáveis aos das revistas das grandes corporações, senão melhor.
Bem, nós conseguimos, mas a custa de um processo mecânico de edição muito cruel – você não imagina a trabalheira que dava aquilo que chamávamos de "show de edição", com matérias cheias de boxes, depoimentos etc. Você vê, a maior parte das revistas independentes é feita de matérias com uma, no máximo duas fontes por pauta. Um fotão, um textão, pingue-pongue de preferência, um monte de artigos e um abraço. Nós não admitíamos essa pobreza na Frente. No momento em que vimos que todo esse trabalho não revertia capital (financeiro e conceitual) para a gente, decidimos que só seguiríamos sob outro método de trabalho (o que era uma possibilidade, porque tínhamos três ótimas revistas como portfólio para oferecer a outra editora). Como esse acordo nunca houve, a revista acabou, mais ou menos seis meses depois de acabar de fato.
A Frente surgiu com a proposta de ajudar na "reconstrução do pop nacional". A revista conseguiu ser eficiente nesse item de seu projeto editorial ou não houve tempo para isso?
A história da reconstrução do pop nacional nasceu um pouco como um mood sobre o qual se desenrolaria toda a edição da Frente, uma espécie de "conceito" sobre o qual trabalharíamos. Hoje, eu acho que não haverá mais pop nacional. Acho que estamos entrando em uma era (de, talvez, 10 ou 15 anos) em que a música será muito pouco importante para as pessoas. Isso é numérico. As pessoas que compram discos hoje são as mesmas que compravam discos em 1989: há uma lacuna geracional enorme acontecendo, o público da MTV, da internet e da Capricho, que tem música o tempo todo e para quem música não significa lhufas.
O público da Frente (que era uma revista de bandas novas, de molecada mesmo) tinha a maioria de seus leitores com mais de 25, 30, às vezes de até 40 anos. Engenheiros, advogados, caras assim, gente que ainda se importa com música, mas que não tem esse engajamento que só o tempo ocioso permite nos nossos 15 anos...
Então, voltando à pergunta, acho que o pop nacional não será reconstruído, ele continuará fragmentado e repleto de "nichos", nos quais os maiores artistas venderão, 10, 15, 20 mil discos. Pode parecer ruim pra mim, que sou "de outro tempo", mas talvez seja um respiro necessário na história. Uma banda como Skank que, na minha visão, é o ideal do pop (eles vieram do circuito independente, são sofisticados e populares pra caramba etc.), só vai existir enquanto Skank existir. Depois, babau.
E a questão do CD que vinha encartado na revista? Quais os fatores que fizeram com que ele fosse deixado de lado na terceira edição?
Vários: 1) as três edições eram para experimentar mesmo, ainda mais depois das baixas vendas da primeira; 2) revista com CD precisa vir lacrada: como o nosso papel era bem fino, apesar de bem-impresso, a revista parecia muito mais fininha do que era na realidade; 3) revista com CD tem tradição de picaretagem, de revista só para justificar o CD, não era nosso caso, mas, como a revista vinha lacrada, o leitor não podia conferir nossa qualidade folheando a revista na banca; 4) o preço de produção de um CD precisa ser multiplicado pelo percentual do distribuidor, do jornaleiro e do lastro de equilíbrio da operação, ou seja, encarece a revista pra burro; 5) o valor "metafísico" de um CD está muito reduzido, por causa da pirataria e do Mp3. Como cobrar algo que o público pode ter de graça ou bem baratinho?
Nossa idéia inicial era, com nossos discos, estabelecer um trânsito com rádios universitárias, fazer hits underground em cima do nosso disco, mas elas não se mostraram muito receptivas – "a gente pode baixar da internet, não precisa do CD da revista", eu tive de ouvir. Então tá, né?
Qual era a circulação paga da Frente?
Se eu falar a venda de verdade, vocês vão desacreditar imediatamente da venda de todas as outras revistas independentes brasileiras, que falam em 20 mil, 30 mil... Digamos que era vexatória.
Os problemas de distribuição que aconteceram na primeira edição, quando leitores de outros estados não conseguiram encontrar a revista nas bancas, chegaram a prejudicar seu desempenho?
Claro, mas seria muito fácil e desonesto botar a culpa nisso. Não: a culpa foi da gente, que foi incapaz de criar um produto que centralizasse as aspirações de um número de pessoas suficientemente grande para manter o título vivo e nosso padrão de vida minimamente decente. Ou de propor uma parceria com alguma editora que previsse algum tipo de estrutura de trabalho ou um borderô mínimo de trabalho. Superestimamos o número de pessoas como nós no Brasil – uma ilusão que a internet cria, como num jogo de espelhos: no fim, tínhamos a certeza de que muito mais pessoas reclamavam de uma coisa ou outra do que realmente comprava a revista. Eu acho realmente que, se um produto gera interesse, ele vende: nego encomenda ao primo que mora em São Paulo, viaja e compra etc. Ainda mais com uma tiragem de 30 mil exemplares.
Qual seria a contribuição deixada pela Frente no jornalismo musical?
Será que deu tempo para isso? Creio que não houve repercussão suficiente para tanto. Para mim, posso dizer que hoje domino muito mais estágios da produção de uma revista do que quando entrei nessa aventura. Só por isso, já valeu a pena.
Você acompanhou a denúncia feita pelo Lúcio Ribeiro em sua coluna na Folha Online sobre picaretagens no jornalismo cultural? Segundo ele, há jornalista que inventa entrevistas. Conhece algum caso assim?
Bem, o caso mais famoso foi aquele envolvendo o Pepe Escobar, na Folha, que eu conto com detalhes no meu livro e tudo, mas, claro, sei de vários outros casos. Não me sinto confortável para opinar sobre isso, porque estou mais fora do que dentro da grande imprensa, e pode soar como revanchismo, mas... acho que tudo se relaciona com uma visão bastante infantil e contraproducente sobre o que é rock’n’roll, sabe? Um clichê de pobreza mental, da perversão do "menos é mais", que quando usada como resistência produz o movimento punk, mas usada como regra produz um cenário pop desengonçado e irrelevante como nós temos, sem artistas, sem revistas, sem nada. Isso chega até os jornalistas.
Quantas vezes você não ouviu um crítico musical dizer que "ora, não dê tanta importância para as bobagens que eu escrevo, isso é só rock’n’roll"? Ou "vá cobrar profundidade do noticiário de política"? Ou "uma crítica não tem poder para tudo isso"? Apologia da irresponsabilidade. Todo mundo acha bonita essa "irreverência", e quem se insurge contra isso passa por conservador. Então, teremos de conviver com o colunista que passa a vida apenas repercutindo revistas estrangeiras, o jornalista que comenta os melhores do ano dizendo que os prediletos de seu próprio leitor são um lixo, o outro cara orgulhoso de ter escrito um livro em quatro meses copiando tudo na internet e ganhando espaço no Fantástico dado por seu amigo...
Assim, que diferença faz se o cara copia tudo da Uncut e assume, ou se ele copia da Rolling Stone e disfarça? Vai dar no mesmo: em país sem imprensa musical, uma imprensa sem leitores e uma música pop sem credibilidade. O abismo cultural que o Brasil defende, se achando muito "rock'n'roll".
Você mudou sua opinião sobre a crítica musical? Ainda há repórteres que cobrem lançamentos de discos como cobririam enchentes ou medidas-provisórias?
Olha, eu vou falar uma coisa meio chata para jovens jornalistas culturais, mas quero deixar claro que ela ainda não está muito certa na minha cabeça, se como uma certeza que eu tenho ou se não passa de um mecanismo de proteção mental. Eu acho mesmo que o que a indústria musical fez nos últimos anos, inventando e desinventando artistas de proveta, apostando na praticidade em detrimento da qualidade (os micro-systems substituindo os aparelhos modulares, o CD substituindo o LP etc.) nos levou a um beco sem saída.
Quem não se importa com qualidade de som, nem com capinha bacana ou encarte jóia, apenas com a praticidade, se contenta com o Mp3; quem quer artista descartável compra o disco pirata (pra escutar só por um mês). Acho que, isso somado à crise de credibilidade da indústria do entretenimento (que vai da publicidade ao Hulk feito de computador) e à assombrosa facilidade tecnológica de gravar e distribuir música, produzirá uma grande era de gente desinteressada por música, embora se continue consumindo música o tempo todo.
Então, vai ser assim: o público do Rouge não quer ler uma matéria profunda sobre as minas (a Caras já basta), então não vai comprar a reportagem que você escreveu com tanto zelo; o público do DJ Patife não é numeroso o suficiente para garantir boas vendas. Hoje, se estivesse começando no jornalismo, talvez me especializasse em cobrir enchentes ou medidas provisórias para garantir meu sustento e, por lazer, fazer um blog sobre música – só de opiniões, ou chupando notícias de outros sites, porque, ora bolas, vai ser de graça mesmo.
Já deu pra ver que passar seis anos pesquisando sobre o rock brasileiro dos anos 80 não vai mais rolar, OK?? Acho que, em linhas bem gerais, este será o retrato da imprensa musical até que, daqui a uns 20 anos, quem sabe, surja um Bob Dylan com um violãozinho e uma voz fanha encerrando essa crise de credibilidade em que todos nós nos enfiamos.