A arte como produto é um assunto recorrente. Home considera a ideia de livre mercado uma mentira criada para suavizar a ideologia dos grupos de grande poder social e econômico que influenciam a sociedade de acordo com seus interesses. A arte produzida na modernidade torna-se um bem de consumo e tem na vanguarda um ponto crítico dessas relações comerciais. Ao mesmo tempo, tratam-se de grupos surgidos em sociedades capitalistas e cujas atividades não fogem completamente dessa lógica de mercado. Isso não seria uma contradição, sendo que uma das funções da vanguarda seria a visão crítica da sociedade na qual está inserida, sua análise por uma perspectiva diferente e que questiona sua dinâmica de existência e seus valores. O exemplo de maior visibilidade é o punk. Apesar de apropriado pela cultura dominante, teve um papel importante em questionar noções musicais e comportamentais, além da própria cultura jovem institucionalizada, antes de se tornar parte da mesma.
O livro parte do Surrealismo e do Futurismo para analisar grupos de vanguarda surgidos no pós-guerra, a partir do Cobra, em 1948, passando por nomes como o Movimento Letrista, Internacional Situacionista, Fluxus, Neoísmo e Class War. O Cobra tem sua base na crítica ao individualismo crescente no período. Acreditava que a arte poderia ter um papel revolucionário na sociedade e que para se alcançar maior liberdade era necessário uma arte popular e acessível, possível somente através da criação coletiva e não individual. Assim como na maioria dos grupos surgidos nas décadas seguintes e registrados em Assalto à cultura, seus membros atuavam na pintura, poesia, na publicação de revistas com artigos teóricos e na arquitetura. Posteriormente, outros grupos abrangeriam as artes visuais de forma mais ampla, música, audiovisual, instalações, performances e formas de expressão mais difíceis de serem classificadas, como a distribuição de bicicletas feitas pelo Provos (exemplo de uma ação desenvolvida pelo grupo) ou toda a Mail Art (literalmente, arte de correio, baseada na troca de cartas).
Um trecho essencial para se entender a abordagem que Stewart Home faz da arte está na introdução de Assalto à cultura, quando o autor escreve que a arte seria:
a mais legitimada forma de sentimentalismo masculino. O artista "homem" é tratado como um gênio, por expressar sentimentos que são tradicionalmente "femininos". "Ele" constrói um mundo no qual o homem é transformado em herói por demonstrar sensibilidades "femininas"; e o feminino é reduzido a um papel insípido e subordinado. A "boêmia" é colonizada por homens burgueses - dos quais alguns poucos são gênios, e a maioria deles, excêntricos. As mulheres burguesas cujo comportamento lembra o dos gênios masculinos são consideradas histéricas - enquanto proletários de ambos os sexos que se comportam de tal maneira são simplesmente rotulados de loucos. A arte, tanto na prática como no conteúdo, depende de gênero e de classe. (HOME, 2004, p.14)
Enquanto as questões de gênero, em pauta atualmente, possuem pouco destaque no livro, o debate sobre individualidade e coletividade permeia a obra de diversos coletivos analisados. A contraposição à imagem do artista como gênio individual chega até a utilização dos nomes múltiplos e abertos, os quais podem ser usados por qualquer pessoa "como forma de subverter o star system e questionar as noções burguesas de identidade" (HOME, 2004, p.119).
Apesar de não deixar claro se tratar de uma escolha proposital, todos os grupos analisados são europeus ou da América do Norte. A ausência de estudo sobre a atuação de vanguardas artísticas em outros continentes durante os 50 anos que o livro abrange deixa em aberto a questão sobre como as vanguardas se desenvolveram nessas regiões e se as dinâmicas de classe teriam exercido influência semelhante na arte criada por populações não brancas e em países subdesenvolvidos.
A pesquisa de Stewart Home é importante para se tentar entender as dinâmicas de criação e consumo de arte. Com uma visão crítica desse processo, a partir daqueles que questionaram o sistema predominante, é possível vislumbrar alternativas e identificar algumas de suas características negativas, como aquelas que reforçam desigualdades. Assalto à Cultura reflete, em maior parte, uma visão política à esquerda, consequência da atuação e do pensamento vigente nos grupos que analisa. Sua essência permanece atual e reforça a característica vanguardista de estar à frente de seu tempo. Esse ponto fica evidente em trechos como aquele no qual Home escreve, ainda na década de 1980, em uma nota de rodapé, que "a velocidade com a qual os meios de comunicação eletrônicos operam pressionam aqueles que os usam a reduzir o tempo que levam para tomar uma decisão, de tal forma que diminuem a qualidade geral do pensamento humano e a racionalização das escolhas individuais" (HOME, 2004, p. 134).
[o livro está disponível para download gratuito, em inglês, no site do autor]
Home, Stewart. Assalto à cultura : utopia subversão guerrilha na (anti) arte do século XX / Stewart Home ; [tradução Cris Siqueira] . -- 2. edi. -- São Paulo : Conrad Editora do Brasil, 2004. Título original: The assault on culture.