Música do Brasil caiu em minhas mãos por acaso, enquanto conversava com um amigo antropólogo que achou que eu deveria conhecê-lo. Parte de um projeto que também incluiu uma série de TV, CDs e site, o livro possui textos de Hermano Vianna e fotos de Ernesto Baldan realizadas ao longo das viagens que fizeram pelo Brasil buscando retratar a música folclórica brasileira e, principalmente, as pessoas envolvidas com essas manifestações culturais.
Publicado em 2000, o livro é resultado dos cerca de 80 mil quilômetros percorridos pela equipe do projeto e dos dois anos de pesquisa sobre o tema. Os textos de Hermano mostram como a religião e o sincretismo marcam a cultura popular brasileira e aborda, em sua maioria, tradições culturais de grupos das classes menos favorecidas. Ele descreve as manifestações folclóricas como "brincadeiras", no sentido que a as atividades realizadas são festas em um sentido mais amplo, na maior parte das vezes unindo a apresentação musical a algum ritual ou culto.
A falta de numeração nas páginas dialoga com a forma como o material é apresentado: não segue ordem geográfica, estética ou cronológica. Estão, lado a lado, elementos mais conhecidos da cultura brasileira (como o carnaval, o tecnobrega e o samba) e manifestações exóticas ou pouco divulgadas, como o Zambiapunga de Taperoá, na Bahia, os Dançarinos da Sociedade de Danças Antigas e Semi-desaparecidas Araruna (nome sensacional) de Natal, no Rio Grande do Norte, e o catumbi de Itapocu, em Santa Catarina (uma variação de congado).
Um dos pontos mais interessantes é observar como os diferentes grupos retratados transformam suas limitações (de recursos financeiros e de matéria-prima) em recortes estéticos. Eles se adaptam às suas respectivas realidades e não deixam de manifestar suas crenças e sentimentos. Como escreve o próprio Hermano, a alegria apresentada junto a essas manifestações populares seria uma forma de resistir à miséria para não deixar que aquilo que é miserável tome conta de todo o seu mundo, de sua vida". Um bom exemplo é a banda Dragões do Forró, de Nova Olinda, no Ceará. Com uma mistura inconsciente de John Cage e gambiarra, a banda é criação de um garoto que constroi seus próprios instrumentos com sucata, sendo que muitos deles sequer emitem sons. O que importa ali é seu valor simbólico, a performance que sintetiza a vontade de se expressar e se divertir, independente das condições disponíveis.