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28 de outubro de 2013

Entrevista sobre jornalismo musical

Tive uma conversa bem legal com a Adriana Oshiro, que está fazendo um trabalho de conclusão de curso chamado "Manual de jornalismo musical". Algumas respostas acabaram um pouco longas, mas gostei de participar do projeto. No fim, senti falta de falar sobre a proposta da TV Meio desligado e mais sobre o uso de redes sociais, mas fica pra outra ocasião. Abaixo, a entrevista na íntegra.


O Meio Desligado começou em 2006, certo? Como surgiu a ideia de fazer um blog apenas sobre música independente brasileira?

Dezembro de 2006. Vou copiar aqui uma resposta que dei em 2010: "Resumindo muito: queria fazer algo relevante na internet em vez de ter mais um blog sobre cultura pop e bobagens para entreter as pessoas. Percebi que havia uma movimentação crescente na cena musical independente e não existia nenhum blog dedicado totalmente a essa cena. Além disso, quando outros blogs e jornalistas citavam bandas indie nacionais, na maioria dos casos exaltavam bandas que eu considerava (e ainda considero) ridículas ou falavam das bandas dos amigos, coisas do tipo. Eu pensei: "é por causa desses idiotas que o público em geral acha que não existem bandas independentes boas". Por isso criei o Meio Desligado, para fazer uma análise mais crítica dessa cena, sem ter rabo preso com ninguém, sem medo de experimentar." 
Lendo assim parece um pouco prepotente, mas é aquela prepotência irônica através da qual você quer reforçar uma ideia, entende? 


O convite para ser curador de festivais e participar da produção de projetos culturais veio por conta do Meio Desligado?

Sim. Eu já tinha feito estágio na Secretaria de Cultura de MG, trabalhado em um site de música e escrevendo sobre cinema, mas minha entrada na produção cultural, efetivamente, foi através de um convite que surgiu por causa do Meio Desligado. 


Além de tocar o blog, você presta uma série de serviços para bandas e tudo mais. Inclusive, até escreve textos sobre isso no blog. Quais são suas atividades e projetos, atualmente? 

No fim de 2011 montei uma empresa (revrbr.com) para prestar esses serviços junto a dois sócios, profissionalizar a coisa. Mas eles acabaram se mudando e a empresa foi parando. Continuei trabalhando com diferentes artistas e produtoras culturais enquanto planejava o que seria a quente, que é a agência de bandas/produtora cultural que montei com um sócio no ano passado. Somos uma das poucas agências de bandas no mercado independente brasileiro e com pouco tempo já conseguimos alguns resultados relevantes. Também fazemos nossos próprios shows, produzimos eventos para clientes externos, fazemos assessoria de imprensa especializada, elaboramos e gerimos projetos de leis de incentivo (a Elza Soares encomendou um projeto de lei com a gente, por exemplo). E paralelamente a isso continuo a parceria com a Casulo Cultura, que foi a primeira produtora cultural em que trabalhei. Através dela me envolvo em projetos mais mainstream, como grandes festivais como o Rock in Rio e o Natura Musical. 


As bandas que você produz podem entrar no Meio Desligado? Como você separa essa questão para justamente fazer uma análise crítica e não se tornar o cara que fala bem das bandas dos amigos, que vc citou na 1ª pergunta?

Questão super pertinente. Eu vejo certo ativismo aí, uma necessidade de atuar mais diretamente nessa cena e nesse mercado, de poder interferir mais diretamente. Antigamente eu me via principalmente como jornalista e depois como produtor cultural. Atualmente, me considero mais um produtor/gestor cultural que também é jornalista. Acho que tento usar a visão do jornalismo pra tentar contribuir com a produção cultural por dentro. E sinto falta de mais gente fazendo isso, gente que atua na área e que exerça uma função crítica sobre ela, como os envolvidos com a Cahiers du Cinéma faziam, sabe? Quando o jornalista cultural passa a atuar como produtor ele não só observa e analisa, com poder de influência, para se transformar em uma potencial ferramenta de transformação dentro daquele ambiente no qual está envolvido. Quando o Lúcio Ribeiro se transforma em produtor acredito que isso seja extremamente benéfico para a cena. Todos sabemos que é ele quem está promovendo o show de tal banda, tal festival. A partir disso, podemos interpretar o que ele escreve sobre esses artistas da forma como quisermos, o importante é contextualizar. O que não acho válido é deixar de tomar uma atitude dentro desse mercado por receio. É bem diferente de tentar se beneficiar exercendo as duas funções. 
Não escondo de ninguém as bandas com as quais trabalho e quando escrever sobre elas vou deixar isso claro. O que tem acontecido até hoje é que primeiro escrevi sobre as bandas e depois começamos a trabalhar juntos, justamente por eles terem se identificado com o que escrevi sobre eles, sobre o que conversamos. Só trabalho com artistas com os quais me identifico e gosto, então é natural que possa escrever sobre eles - seria algo que o faria se não trabalhasse com eles também.
Se você citar os principais artistas da cena independente de MG talvez eu já tenha trabalhado com a maioria deles, em diferentes momentos (assessoria, festivais, produção, consultoria e afins), porque trabalho com muitas produtoras, muitos eventos. Nem por isso escrevi sobre todos esses artistas. Não é a minha relação comercial que irá pautar o Meio Desligado. 


O blog já tem bastante tempo, principalmente, se você pensar em como tudo se altera rapidamente na internet. O Meio Desligado passou por muitas mudanças significativas? As visitas cresceram durante esses anos? Quantos visitantes únicos o blog possui em média? 

Passou por várias mudanças, acho esse um ponto positivo. Considero a mudança super válida, é preciso experimentar, não se acomodar. No geral, não dou a mínima pra acessos. Fiquei muito tempo sem nem olhar o Analytics pra saber como estava, mas de vez em quando entro porque os anunciantes sempre querem saber disso e pedem dados atualizados. Ontem (22/10/2013), por exemplo, ele teve 1.156 acessos. Já teve mais que isso, mas não é algo que me incomode. 


O layout do blog parece ser bem adequado para dar destaque aos vídeos, imagens e players. Há algum tipo de formato na postagem? Como você edita o conteúdo e pensa no formato para tornar o post mais atrativo?

O layout atual é o que mais se diferencia em toda a trajetória do blog. O Meio Desligado não tem anúncio fixo, não tem banner animado, barra lateral, nada disso. O foco é no conteúdo. E para isso quis explorar um formato que eu ainda não tivesse usado, que ocupasse mais a tela e deixasse tudo bem na cara de quem acessa o blog. Engraçado é que fazia muitos meses que não lia o Tiago Dória, uma das minhas maiores influências no início do blog, e reparei que ele fez algo semelhante no seu próprio blog também. 


Muitos jornalistas que trabalham ou trabalharam no meio cultural reclamam da dificuldade de fazer um veículo dessa área no Brasil. Na internet, você encontra inúmeros blogs sobre isso, mas poucos rentáveis. No caso de um blog que fale especificamente sobre bandas independentes brasileiras, então, penso que essa dificuldade seja ainda maior. Mesmo assim, o Meio Desligado tem espaço para anúncios e ações pagas. Você consegue ganhar dinheiro com o blog? É possível se manter apenas com ele?

Eu me manteria com o blog se morasse na casa dos meus pais, não pagasse ingresso para ir a nenhum show ou festa e parasse de beber. Ou seja, o Meio Desligado é, diretamente, um complemento. Indiretamente, ele intermedia outras possibilidades de trabalho que, essas sim, são rentáveis. 


Nos últimos meses, a frequência de posts caiu bastante. Isso tem alguma relação com o uso de redes sociais ou a popularização das plataformas de música, como Spotify e Last.fm, que recomendam artistas e permitem que o público dependa menos do jornalista para conhecer uma banda nova? Você acredita que as pessoas têm interesse em conhecer e ler sobre bandas novas e brasileiras?

Diminuiu porque tenho tido menos tempo para me dedicar ao blog e porque tenho tido um pavor crescente de excesso de informação. Quando entro no Trabalho Sujo, por exemplo, quase tenho um treco com aquele tanto de informação (e maior parte dela é essa coisa piadista da internet). Já que tenho pouco tempo para o blog, penso duas vezes antes de publicar qualquer coisa. Mas estou longe de achar que estou fazendo uma coisa muito boa. Esse é o meu objetivo, mas por enquanto ao menos estou sendo honesto com a minha realidade e em busca de melhorar. 
Sobre o interesse do público, há sim, apesar de ser um segmento bem específico. É muito mais fácil e gera mais frutos falar de coisas mais populares e gringas, mas não é o que me interessa. 
E sobre plataformas de streaming, amo o Deezer. Minha vida mudou depois que passei a usar essa nova versão. Comecei a usá-lo quando foi lançado, anos atrás, pra conhecer algumas bandas francesas e tal. Agora a história é outra, mudou minha vida. Faz meses que enrolo pra fazer um texto sobre isso. 


Marcelo, mas o que te incomoda é o excesso de informação ou a falta de filtragem dele? Será que o jornalista/blogueiro não seria o responsável por selecionar informações relevantes diante desse excesso? O que você acha disso?

A filtram dele é o ponto crucial aqui. A produção ser grande é positiva. É ótimo ter mais gente podendo se expressar através de diferentes pontos de vista, diferentes experiências de vida envolvidas na produção. Nesse cenário, existe uma necessidade crescente de "curadoria", que seria essa filtragem a partir de critérios definidos por quem exerce essa "curadoria" de conteúdo. Se existem cada vez mais coisas incríveis sendo criadas no mundo todo, também estão sendo surgindo muitas que são medíocres e desinteressantes. Apesar de eu achar que cabe a cada indivíduo avaliar como determinada informação irá afetá-lo, é claro que muitas pessoas vão preferir acessar apenas o que já foi analisado por alguém antes e que foi considerado relevante. Mas não acho que seja uma função específica do jornalista, é uma função de quem se identifica e tem interesse com determinado tema. 
Alguns perfis no Twitter fazem bem isso, com seleções constantes de links. O Itaú Cultural ou o Sérgio Motta uma vez fizeram até uma premiação específica para curadoria de links. O Tumblr funciona muito dentro dessa lógica, com os usuários republicando (ou seja, fazendo uma filtragem) daquilo que mais os interessa. A grande comunidade de pornografia do Tumblr funciona basicamente assim, existem alguns blogs mais genéricos todo tipo de pornografia e a partir desses vários blogs temáticos vão filtrando e republicando somente o que se encaixa com seus perfis e suas análises de qualidade. É um tema que cheguei a começar a pesquisar para o meu artigo de pós-graduação mas depois o troquei por outro assunto.


Sobre o Music Alliance Pact. Quando e como surgiu o convite para participar desse projeto?

Eu atualizava um pouco uma versão em inglês do Meio Desligado e pesquisando sobre música brasileira o criador da MAP, um escocês, encontrou o blog. Na época tinha um brasileiro fazendo doutorado na Escócia tendo o Meio Desligado como objeto e imagino que isso tenha ajudado também. 


Você recebe muito material de divulgação de bandas? Como escolhe o que pode ou não entrar no Meio Desligado?

Recebo muita coisa no email do blog (não foi à toa que te pedi para enviar as perguntas em outro email, rs). É cansativo. E como tenho outras atividades que me demandam muito tempo, acabo fazendo uma leitura bem superficial do que chega. São praticamente três coisas que analiso nos emails, para me poupar tempo: 
1: O nome da banda. Se acho o nome da banda idiota, dificilmente vou ouvir. Se não conseguem sequer dar um nome interessante para a banda, o que esperar das músicas e das letras? Às vezes acabo deixando de conhecer algumas coisas boas, mas é raro. Demorei a ouvir o Macaco Bong, no início da banda, por exemplo, porque não gostava do nome. 
2. Anexos. Se enviam email com anexos pesados eu só não apago se for algo que realmente me prenda a atenção (alguma banda que já conheço e gosto, algum festival ou ação que ache interessante). 
3. Se o email foi enviado só pra mim ou estou em uma lista. Se a pessoa te manda um email direcionado, teve o trabalho de parar para te escrever algo, o mínimo que ela merece é um pouco de atenção. Já faz um tempo que não consigo dar um retorno pra esses emails, mas os que chegam diretamente pra mim quase sempre são lidos. 
Apesar disso tudo, é raro alguma pauta chegar até mim por email. Não faço agenda no blog e praticamente não dou notícias, a maioria dos emails é relacionado a isso - algum lançamento. É sobre isso que as outras pessoas estão escrevendo, então prefiro encontrar minhas pautas por conta própria, tentar criar conteúdo que considere relevante, em vez de mais do mesmo.


Você acompanha outros blogs de música? Quais? (Vale nacionais e internacionais)

Leio poucos blogs fixos. Tipo uma vez por semana (ou ainda mais espaçado) acesso o Hominis Canidae, Trabalho Sujo, Urbe (esses dois últimos d'O Esquema), o Lúcio Ribeiro, Miojo Indie. Nesses eu paro para ler o que está escrito. Mas diariamente acesso blogs aleatórios e não leio nada, só dou play nas músicas para saber sobre o que estão falando e na maior parte do tempo me decepciono. O melhor lugar pra conhecer música, pra mim, é no Deezer e nos blogs da Music Alliance Pact. Cada vez que entro em um dos blogs da MAP isso acarreta em no mínimo umas 10 bandas novas pra ouvir, porque pesquiso sobre elas, ouço artistas da região delas, coisas do tipo. Ah, e de vez em quando leio a Pitchfork também, mas é mais pra rir do tanto de porcaria que eles supervalorizam. 


Qual a sua opinião sobre o jornalismo musical diante das novas mídias? E sobre a blogosfera de música? Quais aspectos positivos e negativos você considera?

Acho que as pessoas que estão nesse meio não pensam muito em explorar o formato. Alguns sequer parecem pensar no conteúdo, mas vejo que alguns escrevem super bem, têm textos mais elaborados, mas se você estivesse lendo em outro suporte, a diferença seria mínima. 
E tem uma coisa que me incomoda muito, que é a forma como utilizam as redes sociais. O sujeito faz uma notícia informando que a banda X foi confirmada em tal festival. Em vez de o imbecil tweetar que "a banda X vai tocar no festival tal" ele escreve "saiba quem é a nova banda confirmada no festival tal". Pra que isso? É uma bobagem fazer esse tipo de coisa pra ganhar uns acessos adicionais. O Twitter pode funcionar por si só. Se você consegue passar a informação em poucos caracteres, faça isso e deixe o link para quem quiser informações adicionais, não use as redes sociais apenas como caminho. 


Quais dicas você daria para alguém que tem um blog e quer ganhar relevância na web?

Não desista. 


Se você pudesse definir o Meio Desligado em algumas músicas ou uma banda, quais seriam?

Não dá. O máximo que consigo é relacioná-lo a algum festival, como o Eletronika e o Escambo (festival que produzi em Sabará através do coletivo Fórceps e que já teve bandas como Black Drawing Chalks, Macaco Bong, Transmissor, Dibigode, Marcelo Jeneci, Emicida, Constantina, Cabruêra, Flávio Renegado e outros). O Eletronika tem esse conceito da música experimental junto com a música mais de entretenimento, da tecnologia e da cultura digital, temas diretamente ligados ao blog. 

Você nasceu e mora em Minas Gerais? Quantos anos você tem?
Nasci em Sabará, uma cidade histórica ao lado de BH, mas vivi meus primeiros 10 anos em outra cidade, a uns 100km da capital. Depois disso, voltei pra Sabará e moro em BH há algum tempo. Tenho 26 anos.

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