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14 de março de 2012

Cambriana, a revelação do indie rock goiano

No início de 2011, durante uma conversa com o Fabrício Nobre em uma pousada no interior de Minas, ele falava sobre como a geração dele (músicos, produtores e público) havia ralado (e continua) para construir um cenário diferente, mais receptivo, profissional e produtivo para a música independente. Mesmo longe do ideal, o mercado evoluiu e mais oportunidades surgiram em diferentes pontos da cadeia produtiva musical. Ele dizia (e concordo) que, agora, cabe à nova geração fazer uso dessa estrutura, abrir mais portas, continuar a evolução.

Ao conversar com o Luis Calil, da banda Cambriana e conterrâneo de Fabrício, é como se as palavras de Nobre se materializassem. A Cambriana é uma banda jovem que possui as principais características da produção independente moderna: produzem suas músicas em suas próprias casas, são auto-gestores e têm consciência da importância da divulgação digital, o que se reflete tanto nos contatos com blogs e perfis no Twitter relevantes para seu público-alvo como no fato de licenciarem suas músicas em Creative Commons.



A banda tem quatro shows no currículo, milhares de downloads de seu álbum de estreia (lançado há dois meses) e dezenas de referências na internet - e isso tudo soa muito natural. Mérito de Luís (criador da banda e autor de todas as músicas, algumas delas em parceria com Wanderson Meireles) e seus companheiros de banda, cuja faixa-etária vai de 20 a 27 anos.

House of Tolerance, o CD de estreia, é carregado de uma sensibilidade rara na cena de Goiânia. Indie rock singelo que trabalha bem texturas e climas depressivos e remete a grupos internacionais  contemporâneos como The National e Destroyer, emulando eventualmente o rock pop de bandas como U2 e The Killers em versão anestesiada. Além do álbum, acabam de lançar o single "Slow Moves" e possuem o EP Afraid of Blood, todos acessíveis no perfil da banda no Bandcamp e liberados para download em Creative Commons (o que significa que a livre distribuição das músicas está liberada, contanto que para fins não-comerciais). Abaixo você conhece um pouco mais sobre a Cambriana, sua história e planos para o futuro recente.


Por que "Cambriana"?
O motivo principal foi porque a palavra em si soa bonita, independente do significado. E ela parece bonita quando escrita em algum lugar. Mas o significado é interessante também: o período Cambriana foi quando a vida "explodiu" e se diversificou na Terra. Essa ideia de diversificação sem querer querendo se encaixou com a estética do álbum, que tem uma variação bizarra de estilos.

As letras da banda abordam aspectos da vida que são passíveis de identificação por grande parte do público, mas o fato de serem em inglês pode acabar deixando-as em segundo plano. Qual o motivo de escolherem o idioma? 
Foi basicamente costume. Eu sempre ouvi músicas internacionais mais do que nacionais e essas músicas internacionais costumavam ser em inglês. Quando tento cantar em português, não soa natural, eu me sinto meio idiota. E sobre as letras: me importo com elas, mas acho que o principal são as melodias, ritmos e texturas. Dá pra aproveitar o disco sem saber exatamente o que eu tô dizendo.

O CD de estreia da banda foi gravado em estúdios caseiros, certo? De onde vem o conhecimento para fazer as gravações? Rola de mandar uma foto de onde gravaram?
Nós gravamos vocais e instrumentos acústicos em estúdio, todo o resto foi feito em casa. O Israel, guitarrista da banda, já tinha experiência com estúdio e gravação, então ele orientou a banda em certos pontos. Mas boa parte do produto final foi alcançado na base de "errar e tentar de novo" até achar a solução, o que é relativamente tranquilo se você não está se preocupando com o relógio do estúdio.

Alguns dos membros já haviam tocado juntos anteriormente, não é? Quando e em qual banda isso aconteceu e por que ela terminou?
Eu, Israel e o Rafael já tocamos juntos fazendo covers de bandas que nós gostamos - acabou porque percebemos que ficar tocando só covers não tem a menor graça. O Israel já teve outras bandas, como a Fibra, de Brasília. O nosso tecladista, Wassily, também toca com o Diego de Moraes. Pedro, o baixista, e Heloísa, nossa atual baterista, têm um projeto juntos, o Fantoches Anônimos, que já tem uma certa história.

Goiânia é uma cidade que na cena alternativa está fortemente ligada ao rock'n'roll mais tradicional e pesado, grande parte devido ao trabalho da Monstro Discos. Como é a receptividade do público e mídia local para sons mais indie e introspectivos?
A recepção tem sido muito boa, justamente porque Goiânia não é tão forte nesse tipo de som. Eu acho que o público daqui valoriza variedade e novidade, não procuram só o estilo prevalecente na região. Tá todo mundo apoiando bastante o nosso projeto, inclusive essas bandas mais pesadas.

A Cambriana me parece uma banda própria do momento em que vivemos, esse esquema do it yourself digital viabilizado pelo avanço tecnológico e que se espalha rapidamente através das redes. Como (ao menos alguns de vocês) já tiveram bandas antes, como vocês comparam o atual momento da música independente brasileira com o que presenciavam antes? 
Ninguém sente nostalgia pela época de juntar dinheiro pra gravar uma demo mal feita (ou vender o carro pra gravar algo pra valer), enviar material pra selos e gravadoras e revistas, implorar pra tocar em algum fundo de quintal, e ficar sentado esperando algo acontecer. Tudo melhorou. Ninguém ganha mais cheques astronômicos de gravadoras, mas até isso é positivo, porque não se entra mais no ramo esperando ficar milionário. Vira algo mais honesto.


Atualmente grande parte das bandas independentes coloca suas músicas gratuitamente na internet, mas poucas são adeptas do Creative Commons. Por que utilizaram esse tipo de licença? 
Já que o disco seria distribuído de graça, fez sentido usar uma licença que libera a distribuição das músicas, mas que também cria algumas restrições. Ela garante que as músicas não vão ser usadas para fins comerciais, por exemplo. 

Até o momento os lançamentos de vocês são exclusivamente digitais? Pretendem lançar algo no formato físico? 
Pretendemos lançar o CD do House of Tolerance em breve e vender por um preço camarada pra quem gosta de ter o álbum fisicamente. Olhamos também a possibilidade de fazer vinis, mas não sei se será economicamente viável.



Vocês conseguiram um volume relevante de downloads e uma exposição significativa em blogs e sites rapidamente. Como funciona o esquema de divulgação da banda? 
Abrir contas no Twitter, Facebook, YouTube etc, e colocar o trabalho nelas. Foi basicamente isso. A única "estratégia" que usamos foi lançar alguns singles no mês de Janeiro, antes do lançamento do disco. Nós também entramos em contato com alguns blogs e quem gostou apoiou bastante a gente, tipo o @indiedadepre e o Move That Jukebox. Eu acho que se o trabalho é legal, não tem muito mais o que fazer (além de um clipe, que nós estamos providenciando).

O primeiro show de vocês aconteceu em Fevereiro deste ano? Como foi? Quais os planos para o restante de 2012 e qual a formação ao vivo?  
O primeiro show foi numa casa daqui de Goiânia chamada Metrópolis, abrindo pra banda The Neves, de Brasília. Nós ainda estávamos nervosos e pouco confiantes, mas foi uma estreia divertida e satisfatória, não teve nenhum erro catastrófico. Os planos agora são tocar onde nos convidarem pra tocar. Já nos apresentamos em algumas cidades dessa região e estamos planejando shows em Brasília, SP, Rio etc. Também queremos lançar mais coisas daqui a alguns meses.
 A nossa formação ao vivo é eu (Luis Calil) no vocal, Israel Santiago e Rafael Morihisa nas guitarras, Wassily Brasil no teclado, Pedro Falcão no baixo e Heloísa Helena batendo nos tambores. Esperamos em breve começar a tocar em palcos que caibam todo mundo.

Para quem tem interesse em conhecer mais sobre a cena alternativa de Goiânia, quais bandas indicam e quais os melhores lugares para tocar na cidade?
Não posso recomendar as coisas mais pesadas porque eu realmente não tenho experiência nesse ramo, mas eu curto a galera mais "indie", tipo Riverbreeze, Gloom, Ultravespa etc. E sobre os melhores lugares pra tocar, os membros mais experientes da banda dizem que o som no Martim Cererê e no Bolshoi Pub são muito bons. Vou confiar na opinião deles.

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