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22 de dezembro de 2011

Menos ego, menos ódio, menos inveja. MENOS COR, MAIS QUEM: algumas lições de 2011 - Fora do Eixo, Abrafin, mimimi, mememe

Existe um personagem na cultura hip hop norte-americana chamado de "hater" (algo como "odiador", em português). É a personificação da inveja e do ego ferido. Alguém incapaz de compartilhar o sucesso alheio e de pensar coletivamente (e que, em tempos de internet, "xinga muito no Twitter"). Basicamente, o "hater" da cena musical brasileira é o sujeito que reclama muito e nada faz. Ele fica à espera de que as ideias maravilhosas que ele acredita ter se tornem realidade, que seu talento seja reconhecido, e fica inconformado com o fato de que outras pessoas consigam evoluir frente a sua estagnação. Nos últimos tempos conheci muitas pessoas e viajei por muitos lugares, em todas as regiões do país. Infelizmente, posso dizer que o "hater" é uma das figuras onipresentes na cena musical brasileira. 

Recentemente, a realização da 4ª edição do Congresso Fora do Eixo em São Paulo e a saída dos festivais mais antigos da Abrafin acarretou uma acalorada discussão sobre a rede Fora do Eixo e a associação de festivais, porta de entrada para um debate mais profundo sobre o atual estágio da cena musical brasileira. No entanto, o que tem se visto? Manifestações de ego, ódio, inveja e, como os membros do Fora do Eixo utilizam, rancor. Ao divulgar a saída dos 12 festivais da Abrafin na comunidade da Bizz no Facebook, logo vieram os comentários rancorosos/irônicos, até que o José Flávio Júnior, crítico de música da revista Bravo!, escreveu "Por que voces torcem contra? O que ganham com isso?" e completou: "Meu desejo hoje eh de que todo mundo que faz algo pelos sons alternativos no Brasil PARE imediatamente. Nego nao merece. Simplesmente nao merece". Minha sensação é exatamente a mesma. Por que essa atitude entre jornalistas, músicos e outras pessoas que supostamente também querem o desenvolvimento da cena? Não deveria haver essa briga entre festivais, produtores, Fora do Eixo ou Estados. Todos temos o mesmo objetivo e é a união e o trabalho coletivo, a colaboração, a troca de conhecimento que possibilitam o desenvolvimento e o crescimento de público, de estrutura, do mercado como um todo. Já passou da hora de deixar o ego de lado e tomar atitudes construtivas e que visem o bem coletivo.

Para piorar, em momento tão propício para o debate, o que mais tem se visto (inclusive entre jornalistas considerados "referência" no meio musical - e aí as aspas são mais do que dignas) são comentários superficiais e preguiçosos. Muitas pessoas republicaram em seus perfis no Facebook o polêmico vídeo do Pablo Capilé, do Fora do Eixo, criticando fortemente Pernambuco e sua cena musical. Ok, totalmente válido. No entanto, ao analisar os comentários, pouco ou nada se diz sobre o real assunto do debate, sobre o mercado da música e produção cultural. É a simples manifestação do "hater", o ato de criticar como fim em si mesmo. E vou além: contei os comentários que encontrei e quase 40% deles se referiam à forma do Pablo se sentar na cadeira. Imagine: o sujeito questiona todo o status de um dos Estados mais importantes culturalmente no país, fala mal (forte e abertamente) de um dos maiores festivais independentes da história do Brasil e tudo o que vai ser dito é "olha como o sujeito senta na cadeira?". Puff... poucas vezes vi um momento tão ideal para usar a frase "Para tudo que eu quero descer, tá tudo errado". Mas acontece que não é hora de parar, de descer do bonde e de largar o que está sendo construído. Acredito na conscientização, na transparência, no debate, na troca de ideias, é assim que uma cena plural e sustentável pode ser construída.

O mesmo José Flávio Júnior, citado anteriormente, escreveu:
“O que eu questiono é se ainda temos o direito de ficarmos alheios a questões políticas, de construção e desenvolvimento da nossa cultura. Tipo o cara que diz "só quero levar meu som e o resto que se exploda". Ou o jornalista que apenas resenha os discos e não participa de discussões, só debate na moita. Ou o produtor que só quer saber do seu evento ou de fazer o seu artista se dar bem. Podemos ser assim em 2012?”

Não, não podemos. A menos que sejamos mais alguns dos que torcem para que os outros fracassem e que algum milagre aconteça para consertar tudo. O Fabrício Nobre respondeu bem à pergunta do Zé Flávio, também no Facebook:
“(José Flávio Junior) não podemos. Para participar tem que topar o pacote todo, não tem como. Um fato é real: protagonizar tem bônus legais e ônus pesados... e infelizmente a porrada vem e volta de todos os lados. 2012 é um ano chave para ver aonde vai parar (ou não) a tal música independente brasileira... e estamos todos (uns mais, outros bem menos) nessa! O pau está quebrando, vem sendo quebrado a muito tempo, desde de sempre, vai quebrar, mas vamos ver quem vai propor mais agendas positivas durante os próximos meses, e vai sair protagonizando o fim do ano que vem. Pablo Capilé e ação Fora do Eixo, mandou muito bem em 2011, mesmo! a Casa Fora do Eixo SP é um sonho para quem tem ou teve banda, o Congresso em SP, Seminários foram impressionantes, e mesmo com a explosão do embate da ABRAFIN (que não vem de hoje, sei como ninguém disso), os resultados do Congresso são expressivos. O Seminário da Música foi muito bom, muita gente envolvida, gente excelente, gente boa, gente das antigas e gente nova, espaço aberto inclusive para puxar estas broncas... se não vejamos: video da saída dos festivais da ABRAFIN foi feito dentro do hotel que recebeu as pessoas para congresso, rolaram reuniões abertas e tudo... e o pós TV foi gravado na Casa FDE e aberto tb. Acho que Fora do Eixo vai seguir forte em 2012, mesmo... ABRAFIN vai ter que se resinificar , e estamos (quem ficou) lá para isso, Talles Lopes e Ivan Ferraro, e todos os membros da entidade estão lá para isso, tem que mostrar o triplo de serviço para acertar essa "conta de fim de ano". E quem saiu tem que mostrar força tb, na ação e debate. Então é "all in" pra todo mundo, não acho que tenha ninguém blefando. Podemos sair todos ganhando e fazer grandes festas, festivais, ações esse ano de 2012 e nos próximos, disputar o que tem que ser disputado e compor no que precisar compor para algum avanço... e também podemos todos tomar no cú... e não tô afim de tomar no cú dessa vez não. Posso ter um monte de culpa para que coisa tenha ficado assim (boa ou ruim), tô disposto para caramba para trabalhar para que a música independente no Brasil avance ( do modo que acho que é correto, e debatendo outros modelos com os mais), acho que avançou nos últimos 5 anos... para muitos lados. Bora!”

Nisso tudo, só discordo do Fabrício em um ponto: "cú" não tem acento.

Voltando ao tema Fora do Eixo/mercado musical, mais uma vez o que mais se fala é sobre o pagamento de cachês. É a parte mais superficial do assunto e tida como ponto principal para alguns, mas vamos lá. A crítica mais recorrente (e que para alguns, parece se sobrepor a todas as demais ações) é que os festivais e coletivos do Fora do Eixo não pagariam cachê. Não é verdade e não dá para generalizar. Existem casos em que não há pagamento de cachês, mas quem reclama disso já parou para pensar no motivo?

Existe algo bem óbvio: grande parte dos eventos do Fora do Eixo são feitos totalmente "na tora", sem leis de incentivo (que são aplicadas nos casos de alguns festivais). Se um coletivo realiza uma ação de forma totalmente independente, iniciando um trabalho de formação de público e divulgação da música independente, é claro que não possuirá recursos para pagar cachês expressivos, sendo que nesses casos o mais justo é uma porcentagem da bilheteria. Se a banda acredita em seu trabalho e acha que tem público, o retorno de bilheteria deverá ser equivalente ao seu prestígio junto ao público. Se ela ainda não tem público, toca por pouca ou nenhuma grana para construir uma base de fãs e divulgar seu trabalho.

Engraçado como algumas das mesmas pessoas que criticam essa lógica de funcionamento no Brasil gastam milhares de reais para se apresentar em festivais estrangeiros que são ainda mais rígidos. Ou alguém acha que grandes festivais internacionais como o SXSW - South by Southwest pagam alguma coisa para as bandas? No SXSW, por exemplo, além de ter que arcar com todos os custos da viagem, a banda ganha apenas um passe-livre nos shows do festival. E só. No entanto, muitos acreditam que participar de um evento desse porte pode contribuir para suas carreiras tanto o Brasil como no exterior e fazem o investimento. A lógica é a mesma no caso dos festivais brasileiros de música independente. São gastos milhares de reais para se disponibilizar uma boa estrutura e formar uma programação com relevância estética que atraia muitas pessoas e a mídia. Bandas que ainda não são conhecidas podem decidir investir para participar e apresentar seus trabalhos ao público (e imprensa) presentes ou podem seguir seus próprios caminhos. Em outros gêneros fora do rock não são raros, inclusive, os casos de artistas que pagam para tocar em determinados eventos devido à exposição que obterão (recentemente descobri que essa também é uma prática recorrente nos EUA). Isso sim, é absurdo, mas não deixa de ser uma estratégia mercadológica do próprio artista.

O Eduardo Ramos, famoso ex-empresário do Cansei de Ser Sexy, tem boa experiência no mercado internacional (e nacional) e certa vez comentou o assunto em uma entrevista:
"Me responde uma coisa: quando o Black Flag começou a fazer tours em 1981, eles pediram ajuda de custo para quem? Os EUA em 1981 eram uma piada, 1000 vezes pior do que o Brasil hoje, então qual a desculpa que alguém vai inventar agora? O circuito independente americano foi formado de uma maneira simples: eu preciso ganhar o dinheiro para ir para outra cidade. Este é o cachê! O cachê é a mesma bilheteria que a merda do Foals ganhou por um ano e meio antes de assinar com a Transgressive, o mesmo cachê que o Animal Collective ganhou antes do Sung Tongs… então mais uma vez, eu só escuto desculpas das bandas! Por isso que tem que ser 8 ou 80!"

Parece familiar? Talvez você não tenha entendido.
"Me responde uma coisa: quando o Black Flag começou a fazer tours em 1981, eles pediram ajuda de custo para quem? Os EUA em 1981 eram uma piada, 1000 vezes pior do que o Brasil hoje, então qual a desculpa que alguém vai inventar agora? O circuito independente americano foi formado de uma maneira simples: eu preciso ganhar o dinheiro para ir para outra cidade. Este é o cachê! O cachê é a mesma bilheteria que a merda do Foals ganhou por um ano e meio antes de assinar com a Transgressive, o mesmo cachê que o Animal Collective ganhou antes do Sung Tongs… então mais uma vez, eu só escuto desculpas das bandas! Por isso que tem que ser 8 ou 80!"

É mais fácil reclamar do que efetivamente agir, buscar soluções, aceitar os desafios. Deixar o ego de lado. Menos aparência, mais essência. Menos cor, mais quemEngraçado como esse título do primeiro EP da banda pernambucana Nuda reflete bem a essência do momento, inclusive pelo fator histórico e as ligações relacionadas.

Conheci os membros da Nuda no Recife, em 2008. Estava na cidade para participar da reunião da Abrafin que acontecia paralelamente ao festival Abril Pro Rock. Pouco depois a Nuda fez seu primeiro show no Sudeste em Belo Horizonte, em evento realizado pelo coletivo Outro Rock em parceria com o Fórceps (coletivo da cidade de Sabará, integrante do Fora do Eixo). Eu ainda morava em Sabará na época e a banda ficou na minha casa. Lá, conheceram o funcionamento do coletivo e do Fora do Eixo. Ao voltarem para Recife, fundaram o Lumo, coletivo Fora do Eixo na cidade. Tempos depois a banda deixou o coletivo por problemas pessoais e, mais tarde, eu também deixei de fazer parte, atuando como parceiro (acredito que posso contribuir mais mantendo meus outros projetos do que dentro do coletivo).

Estamos todos conectados, é bobagem a postura individualista que torce pelo fracasso alheio. Existem diferentes forma de ação e estratégias e é bom que seja assim, a diversidade é mais do que bem-vinda, ela é necessária. É um equívoco trabalhar com uma visão maniqueísta e reducionista.

Para fechar, um caso comparativo relacionado ao mimimi Fora do Eixo vs Pernambuco vs Abrafin, que rendeu até uma paródia envolvendo Hitler - engraçado na execução, constrangedor na forma como deturpa os fatos.


Então, vamos ao caso (verídico).

Um dos festivais que saiu da Abrafin na semana passada tem um projeto na Lei Federal de Incentivo à Cultura de mais de R$ 700.000. Desse valor, pouco mais de R$ 50.000 vai para a produtora do festival. Os artistas pequenos/iniciantes não têm passagem e tem um cachê de R$ 800. Outros artistas na programação têm passagem e cachê de R$ 1.500. Ao todo são 20 bandas na programação. Lembrando: estamos falando de um festival de mais de R$ 700.000, considerado um dos maiores do país.

Outro festival, que permanece na Abrafin e é ligado ao Fora do Eixo, teve R$ 100.000 de orçamento. Sua programação contava com 24 bandas. Dessas, sete eram bandas locais e receberam R$ 400, quatro bandas tinham seus próprios projetos patrocinados e arcaram com os próprios cachês através dos mesmos, oito bandas receberam R$ 600 e transporte/hospedagem e as cinco restantes, atrações mais conhecidas do festival (duas delas premiadas nas mais importantes publicações do país), receberam um total de R$ 14.000, média de R$ 2.800 por artista, além de transporte e hospedagem (alimentação era fornecida a todas as atrações). O coletivo realizador do festival recebeu R$ 20.000 pela produção do evento, mas, conforme a lógica de funcionamento do Fora do Eixo, reinvestiu o valor no próprio coletivo. R$ 15.000 foram usados para a produção do primeiro CD de uma banda local (cujas mil cópias praticamente esgotaram em seis meses) e viabilizar parte da circulação da banda (o que resultou em convites para participações em shows com cachê e turnê internacional).

São dois festivais diferentes, frutos de épocas e lógicas de mercado diferentes. Ambos possuem legitimidade, não questiono isso. Mas apesar de propor a integração e o colaborativismo, seguindo os padrões comparativos e competitivos em voga, é válido perguntar: quem está contribuindo mais para o crescimento da cena e o desenvolvimento do mercado musical?

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