Lançado nos Estados Unidos no início deste ano no canal público PBS, ”Copyright
Criminals” é um documentário que destrincha uma técnica cada vez mais
conhecida nestes tempos: o sampling, que poderia ser resumidamente
explicado como o “ato de usar um trecho de uma produção como parte de uma produção própria“. Uma técnica que tem origem no início dos anos 1960, nas experimentações caseiras de malucos como William Burroughs e Brion Gysin, e entra na década seguinte como um dos elementos centrais do hip-hop, de onde desde então costuma ser mais associado.
O documentário trata de falar dos mais
diversos aspectos da técnica, partindo dessa época de nascimento do hip
hop, nos bairros negros da Nova York da década de 1970, chegando até a
indústria milionária do rap deste anos 2000 (inclusive, como
ilustração, há uma timeline do sampling feito pela produção do filme e disponibilizada no site da emissora PBS).
De um modo quase didático, primeiro o
filme mostra algumas das, digamos, “vantagens sentimentais” do uso do
sampling, como a potencialização da lembrança de músicas antigas e dos
consequentes momentos em que elas foram escutadas, visto que a vida é
(sempre foi) permeada de música. Isso tanto valoriza o que passou
quanto traz a tona um repertório desconhecido pra pessoas que não
viveram a época da música em questão, tornando-se assim um link
divulgador de um contexto aplicado em um novo.
Aparece também o “outro lado”, aquele
que diz que o sampling pode ser considerado um modo “preguiçoso” de se
produzir música – afinal, dizem, é muito fácil pegar algo que já está
bom e por o próprio nome nisso do que compor esse trecho. Nesse caso, joga-se os holofotes em artistas como Clyde Stubblefield,
baterista de James Brown, considerado uma das pessoas mais sampleadas
da história, mas que nunca ganhou nem mesmo crédito nestes trocentos
samplers de sua rica batera funkeada.
Desta e outras histórias contadas ficam
alguns questionamentos: usar determinado trecho de uma música e
inserí-la em outro contexto, transformando do jeito que lhe parecer
melhor, seria aprimoramento, progresso, regresso, roubo, criação ou o
quê?
Questionamentos a parte, é claro que
tem gente que não gosta que mexam com uma linha de suas músicas,
especialmente quem as vê somente como mercadoria que vale X dinheiros
no mercado. Visão esta que também é mostrada no filme, através de
entrevista com alguns músicos e gravadoras que não aprovam quaisquer
versões derivadas de “suas” canções.
Como já falado aqui e sabido de muitos,
os samplers são a base musical do hip hop, criado a partir das batidas
do funk e da música de raiz negra em geral com o acréscimo dos vocais
ritmados/rimados – o tal do rap, frequentemente relacionado como sinônimo de hip-hop, o que não é (entre nos links de cada uma das palavras para saber mais sobre suas diferenças).
Como toda essa importância, o hip-hop é
bem representado em “Copyright Criminals” com os depoimentos de ícones
como Public Enemy, Pete Rock, De La Soul e Prefuse 73. Eles falam
principalmente do seu trabalho de mixers na recriação sobre
criações alheias, e de como que, assim que passaram a chamar atenção
com o dinheiro que geravam, tiveram sua existência notada pelos tais detentores dos copyrights das músicas, uma simpática coincidência motivada sabe se lá porquê, não?
Desse sucesso do rap, as “melodias
emprestadas” tornaram-se “infrações de copyright”, o que fez surgir
complicações judiciai$ com Djs que se utilizaram de trechos de canções
de outros artistas. Não é demais dizer que muitos grupos mundialmente
famosos se utilizaram de samplers, como os Beatles em Revolution 9, e muitos impérios se formaram se aproveitando de outras criações, como a Disney.
Injustiças a parte, é bom lembrar que o
sampling virou um meio de subsustência pra artistas que vivem puramente
disso. Não, não são os atuais barõe$ do rap. Um exemplo mais explícito
são os londrinos do Eclectic Method, um trio de VJs que prefere não
lançar sua produção. Isso porque tudo que eles “criam” é ao vivo,
improvisando com imagens e sons de qualquer produção audiovisual. Há
alguns remixes disponíveis pra download no site oficial deles e, nos canais Youtube e no Vimeo, algumas amostras do que é gerado no show deles:
Analisando tudo, em “Copyright
Criminals” também há os depoimentos de advogados, promotores e
professores. Destaque para as falas de Jeff Chang – autor de Can’t Stop Won’t Stop: A History of the Hip-Hop Generation – e Siva Vaidhynathan – autor de “Copyrights & Copywrongs: The Rise of Intellectual Property and How It Threatens Creativity”, disponível aqui.
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“Copyright Criminals” é uma realização de Benjamin Franzen, fotógrafo e videomaker radicado em Atlanta, e Kembrew Mcleod, professor
de comunicação da Universidade de Iowa. Entramos em contato com os dois
realizadores através do site para saber se eles possuíam um arquivo de
legendas. Felizmente fomos atendidos e Mcleod, roteirista e produtor
executivo, simpaticamente nos enviou as transcrições das falas. Então
resolvemos sincronizar as falas em inglês e traduzir para o português, disponibilizando ambas para download nos links acima.
Kembrew também é autor do livro Freedom of Expression®: Overzealous Copyright Bozos and Other Enemies of Creativity lançado em 2005, e cujo capítulo 2 serviu de inspiração para boa parte do documentário, como já tinha alertado o Remixtures. A versão pirata de “Copyright Criminals” pode ser baixada em duas partes – aqui e aqui.
Esperamos que as legendas em inglês também sirvam para outras traduções
– espanhol, francês e qualquer outra língua que tu queira se botar a
traduzir.
Enquanto faz o download, assista ao trailer do documentário aqui abaixo: