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27 de outubro de 2010

Quando a música de Minas tornou-se a música de Belo Horizonte

Por Leo Santiago

Pouco dinheiro, muita burocracia e nenhum artista do interior na circulação do Música Minas 2010

Fruto da organização da classe musical mineira em 2008, o Fórum da Música de Minas Gerais é uma conquista para a música do Estado e um exemplo do que uma classe pode conseguir a partir do momento em que suas reivindicações passam a ser feitas de forma coletiva, através de entidades representativas e não mais individualmente visando apenas os próprios interesses.

No primeiro semestre de 2009 foi lançado o Programa Música Minas, a primeira e principal ação do Fórum da Música. O programa, fruto de uma parceria entre o Fórum da Música e a secretaria de cultura de MG contou com R$ 1,55 milhão oriundos de recursos orçamentários do Estado para promover os editais de circulação e de passagens, além da participação do Fórum em Feiras nacionais e internacionais.

O sucesso da iniciativa rendeu elogios da cena musical de outros estados e a renovação do convênio junto ao governo estadual. No começo de 2010, no entanto, o Música Minas enfrentou problemas burocráticos e por pouco não aconteceu. Alguns empecilhos colocados pelo governo de MG por se tratar de ano eleitoral quase inviabilizaram o programa, que acabou se efetuando após a classe artística iniciar um movimento que culminou em um protesto na porta do Palácio das Artes (BH).

Faltam recursos, sobra burocracia

A publicação do edital 2010, no entanto, se deu com algumas modificações em relação ao ano anterior. Primeiro, os recursos financeiros minguaram para R$ 1,1 milhão e o edital de circulação que no primeiro ano havia contemplado 30 artistas com passagens e cachês, em 2010 só atendeu a 10. Com o corte de 1/3 no número de beneficiados o edital perdeu também a divisão por categorias, que permitia uma seleção mais democrática. Em 2009 as 30 vagas eram divididas igualmente entre artistas “renome”, “destaque” e “revelação”, o que permitia que os músicos definissem qual era sua categoria e dessa forma disputassem uma vaga apenas com artistas “do seu tamanho”, tornando o processo mais justo.

Em segundo lugar, a participação da Fundação Clóvis Salgado imposta pelo governo de Minas Gerais, burocratizou o processo a ponto de afugentar potenciais concorrentes ao colocar uma gama de empecilhos no processo de inscrição como, por exemplo, a necessidade de apresentar a inscrição a partir de um CNPJ. A incoerência de se abrir um edital para músicos e exigir dos mesmos cadastro de pessoa jurídica é gritante. Além disso outras exigências como a necessidade de ter carteira da OMB (uma entidade falida há anos) ou o excesso de documentos cobrados junto à entidade da qual o músico tomara o CNPJ emprestado são outros pontos que precisam passar por uma reavaliação do governo, que também está sendo cobrado para transformar o programa em lei, com garantia de realização todos os anos.

Interior fica de fora

Se por um lado a escassez de recursos financeiros e toda a burocracia do Música Minas podem ser considerados fatores momentâneos, a exclusão de artistas do interior vem se mostrando uma característica intrínseca ao projeto. Em 2009 os artistas do interior representaram pouco mais de 10% dos selecionados para a circulação do Música Minas. Se o número já era baixo, em 2010 a situação foi ainda pior com nenhum nome entre os selecionados.

Obviamente a seleção dos artistas é feita por uma curadoria qualificada, com nomes reconhecidos em Minas e no país, levando em consideração aspectos estéticos. Porém se a secretaria de cultura do Estado de Minas Gerais tem como política cultural a interiorização, torna-se incoerente que uma das principais ações voltadas para a música no Estado não esteja alinhada à sua política estadual. O resultado do edital de circulação do Programa Música Minas 2010 revela a necessidade de se criar estratégias voltadas para o interior para corrigir uma distorção histórica. Talvez a saída seja a criação de cotas. Ou talvez seja necessário uma mudança no DNA do programa, que hoje se concentra em “vender” músicos já com certo nome no mercado para outros Estados e países.

Certo é que em um Estado tão grande, rico culturalmente e diverso, seria interessante que as ações do Fórum da Música se preocupassem com questões estruturais, valorizando redes, a circulação de informações e o estabelecimento de um diálogo do setor musical com fomento a iniciativas do interior, descentralização dos investimentos e valorizando a diversidade da música mineira.

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