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6 de agosto de 2008

Porão do Rock 2008: Festival de clichês (bons e ruins)

DFC no Porão do Rock 2008
“Não use drogas”, sentencia, abusadamente, meu advogado boliviano, Señor Perito. “Dessa vez, apenas sexo e rock ´n roll, por favor. Não comigo, é claro”. Tudo bem. Em momentos como esse, a assessoria de um profissional é crucial. Ainda mais quando se está prestes a conhecer a capital brasileira e, principalmente, presenciar aquele que é um dos maiores e mais tipicamente roqueiros festivais musicais do país, o Porão do Rock.

Nossa intenção inicial era cruzar Minas Gerais e parte de Goiás rumo ao Distrito Federal, mais precisamente, Brasília, em uma louca trip de carro regada a vodka falsificada, refrigerante e remédio para a gengiva. Voltando ao mundo real, decidimos comprar uma passagem de avião em promoção. “Não fique triste, podemos o usar o mesmo plano de viagem para quando formos ao Acre, teoricamente por causa do Varadouro, que camuflará nossa investida atrás de ayahuasca. Huahahahua” (risada maligna acompanhada de um preocupante brilho nos olhos). As palavras de Señor me acalmam e logo estou observando tranquilamente a paisagem pela janela, enquanto devoro o lanche da Varig (Observação: já repararam como a tripulação da Varig é basicamente de meia-idade, enquanto a Gol é cheia de jovens e aeromoças gostosas? Isso influencia no momento da compra da passagem).

Talvez tenha sido a privação de sono ou algo que tenha colocado propositadamente em sua bebida, mas ao sobrevoarmos Brasília, Señor começa a suar frio, aperta meu braço e insiste que estamos em um clipe do Kaiser Chiefs. “Olhe para baixo! Não reconhece? A maquete... A qualquer momento aparecerá um gigante blasé de franja que irá nos engolir!”. Tento acalmá-lo, envergonhado com os olhares recebidos dos outros passageiros, enquanto Señor chora contidamente, sussurrando “Não quero ser morto por um gigante blasé... ainda mais de franja”.

A situação muda ao sermos abordados pela aeromoça. “Senhor, está tudo bem?”, ela pergunta. Dá para sentir a espinha dele congelar. “Como ela sabe meu nome?”, Señor sussura em meu ouvido. “Acho que estamos sendo vigiados...”. Seus olhos ficam arregalados e sua tentativa de transmitir segurança se resume a uma desastrada tentativa de estufar o peito e corrigir sua postura. “Sim, sim.... é.... é.... por causa da minha cadela! Digo... não me refiro a uma mulher, sabe? Mas a uma cão.... er... um cão fêmea, entende? Ele... quer dizer, ela... Morreu! Quer dizer, está quase lá... Doente, sabe? Er... Isso é triste...”. Tentando nos livrar de tal situação embaraçosa, digo simplesmente que a cadela é como uma irmã. O aviso para nos prepararmos para o pouso interrompe nossa improvisada explicação.

Já em solo, deixamos alguns presentes no sanitário do aeroporto (todo mundo adora comida mineira, não é?) e partimos em busca de nossa tour manager, a Alê, do Drops Cultural / Rádio Cultura. Após nos alojarmos e terminarmos os preparativos básicos para a maratona de shows da primeira noite do Porão do Rock, hora de um breve passeio pela cidade e partir para o estacionamento do Estádio Mané Garrincha, que há diversas edições recebe o festival.


Estacionamento do Mané Garrincha1° de agosto de 2008, sexta-feira.
18:00. Hora marcada para o início da 11° edição do Porão. Caminhonetes com equipamentos ainda transitam pelo estacionamento do Mané Garrincha, pouca movimentação nos palcos. Cerca de 30 minutos depois a banda local Device inicia seu show no palco Pílulas (o terceiro e menor palco do evento, montado no extremo oposto aos dois palcos principais, na lateral) para um pequeno número de camisas pretas. Eis a tendência da noite: roqueiros, headbangers, skatistas e demais amantes do barulho para os quais quanto mais distorção, melhor. “Basicamente, um povo feio e fora de moda”, dispara Señor Perito. Eu não seria tão drástico. Com exceção, é claro, dos fãs do Suicidal Tendencies com suas indefectíveis bandanas, transmitindo uma vertiginosa sensação de viagem aos anos 80. Um deja vu dispensável.

Mukeka Di RatoA primeira noite do Porão foi dominada pelo metal, com o trash banal (rima espontânea, sério) do Device (DF), o metal melódico (urgh!) do Almah (SP) e Vougan (DF), o bom metal alternativo e com percussão do Sayowa (SP), e pelo hardcore, bem representado pelas veteranas bandas Mukeka Di Rato (ES – formada em 1995), cujo guitarrista Paulista se apresentou com o pé quebrado, DFC (DF – formada em 1993), um dos maiores ícones do hardcore nacional, e a paulista Nitrominds, com 14 anos de existência. Todas bandas competentes e com boa resposta de público, mas que funcionam muito melhor em palcos menores. Para a platéia, no entanto, esses parecem ser detalhes desprezíveis contanto que a guitarra cuspa riffs inaudíveis e rápidos e a bateria siga a mesma linha seca e veloz. Resumo da ópera: divertido por alguns minutos, cansativo de ser acompanhado durante vários shows seguidos.

Nesses momentos, nada como circular pelo local, comprar uma cerveja barata (5 por R$ 10), vigiar para ver se o Señor não está arrumando confusão (ou simplesmente cantando as roqueiras pintadas como a Elvira), passear pelas tendas (da Petrobrás, do Porão do Rock, de uma loja de vinis e um fliperama), se assustar com o alto preço (R$7) e a baixa qualidade :( do sanduíche anêmico da rede Giraffas, responsável pelo lanche no evento e, melhor das opções, conferir o palco Pílulas.

Black Drawing ChalksNa sexta-feira, duas bandas se destacaram nesse palco: a goiana Black Drawing Chalks e a espanhola/brasileira/alemã Kill Karma. Os primeiros fazem rock and roll sujo, pesado e direto. Stoner, como dizem. Apenas mais um termo para dizer que soam como uma versão garageira do Black Sabbath com o death punk do Turbonegro. Apesar do som extremamente baixo, por vários momentos suprimido pelo som que emanava do palco principal, o Black Drawing Chalks foi um dos destaques de todo o festival. Atualmente a banda finaliza a divulgação de seu primeiro álbum, Big Deal, e se prepara para gravar o novo CD para, em seguida, dar início em uma pequena turnê pela América do Sul (e, quem sabe, partir para outros shows nos Estados Unidos).

O Kill Karma se mostrou um pouco deslocado em meio à programação da noite, com seu indie pós-punk, e talvez justamente por ser uma ilha de melodia e pegada quase pop tenha se destacado tanto junto a bandas horríveis como Elffus (DF) e Astros (SP), cuja formação inclui dois ex-membros do Rumbora e um ex-membro do Trem da Alegria (sua antiga banda era com certeza mais divertida).

O blues rock teve seu espaço no já citado Elffus, uma junção dos clichês mais banais e chatos que uma banda de rock / blues pode apresentar: integrantes com cara de machão, roupa de couro, chapéu, bigode e bota (não, não é uma descrição do Village People) somados a letras estúpidas como “Deixa o rock rolar...” blá blá blá. Um saco.
O blues e o rock setentista também deram o tom do show de Rafael Cury (DF), cuja apresentação repleta de covers valeu a pena ao menos pela cover de “Remedy”, do Black Crowes. E para variar, o público amou.

MalditaMas em se tratando do palco Pílulas, o grande acontecimento foi o show da Maldita (RJ). O som é um pastiche de rock gótico, nu-metal e industrial, um sub-Marylin Manson com letras vergonhosas em português, que, ao que parece, são idolatradas pelos adolescentes from hell. Do inferno mesmo, no entanto, foi a participação de Sodomia no show. Explico: o afetado vocalista da banda (cujo figurino incluiu máscara à la Slipknot e muito sangue cenográfico) pediu que alguma garota da platéia subisse no palco, depois de algum tempo conseguiu uma voluntária e como a garota se mostrou tímida (ou chapada demais) para falar seu nome, foi carinhosamente renomeada como "Sodomia". A partir daí, seguiu-se uma lamentável e risível performance pseudo-perversa/sadomasoquista na qual a garota se viu presa a uma coleira e demais apetrechos dignos de uma produção lo-fi de bondage e puxada pelos cabelos pelo palco. Para completar seu martírio, foi obrigada a assistir ao restante do show sentada em frente à bateria. Os fãs foram ao extasê durante o teatro, outras pessoas ficaram incomodadas, culminando em um sujeito que atirou uma lata cheia de cerveja na direção do vocalista, sem acertá-lo. Señor e eu nos seguramos para não molhar as calças de tanto rir.
Melhor momento (único?) do show: o baterista, sozinho no palco, tocando sobre samplers de Slayer e Prodigy.

Voltando aos palcos principais, o MQN (GO) fez seu já tradicional esporrento e animado show. A banda funciona super bem ao vivo, mas se apresentam em quase todos os festivais da Abrafin e são poucas as diferenças entre um show e outro. Nunca vi um show ruim da banda, é altamente indicado para quem ainda não viu e gosta de garage rock com pegada stoner, mas um pouco repetitivo para quem já acompanha há mais tempo.

Público durante show do MatanzaMesmo com toda a pompa do Suicidal Tendencies, é provável que o show mais empolgante da primeira noite do Porão tenha sido o do Matanza. A banda é hoje em dia uma das maiores da cena alternativa brasileira e unanimidade entre os fãs de rock pesado, amplamente bem recebida entre o público hardcore, metal e até mesmo entre boa parte dos indies. Das falas ensaiadas do vocalista Jimmy às feições mal-encaradas de toda a banda (com exceção do guitarrista Donida, do qual não se consegue ver o rosto, já que o cabelo o esconde durante a maior parte do show), trata-se de um espetáculo à parte de porradaria sonora e testosterona. As rodas de pogo em meio às cerca de 12 mil pessoas no Mané Garrincha foram algumas das coisas mais bonitas de se ver em todo o festival.

Não vi os shows do Madame Saatan (PA), Makakongs 2099 (DF), Lesto (DF), Podrera (DF) e Moretools (DF). Um saldo razoável para a maratona de atrações. Sobre o Suicidal Tendencies (USA), pouco a comentar. Trata-se da materialização do estereótipo do americano bombado e skatista dos anos 80, fã de metal e hardcore. Quase não consegui prestar atenção no show, tudo que me vinha à mente era “Ainda bem que cancelaram sua vinda para o Claro Q É Rock em 2006” (dando lugar para o Fantômas fazer seu clássico show no Brasil).


2 de agosto de 2008, sábado.
Nova geração no Porão15:30. Nos encontramos com parte da gangue do Fórceps para mais um mini-passeio turístico e ao retornar ao estádio, para comprar ingresso para um amigo que resolveu de última hora viajar até Brasília para ver o Muse, descobrimos que apesar de estarem à venda ingressos inteiros e meia-entrada, qualquer pessoa podia entrar com os ingressos de meia-entrada. Então porque existem ingressos inteiros? “Para que os desinformados se fodam”, alguém responde.
Às 16 horas, horário marcado para o início das atividades do dia, os portões ainda estavam fechados para o público, sendo abertos meia hora mais tarde. Exatamente às 17:00 teve início o primeiro show do dia, da Gilbertos Come Bacon (DF), espécie de Tihuana (um pouco) melhorado, com direito a percussão, guitarras pesadas, dois vocalistas rasta, theremin e escaleta.

Minha cobertura do palco Pílulas nesse dia se resumo a isso. As atrações dos palcos principais demandavam atenção e, a partir das 22 horas, sair da frente do palco 2 era sinônimo de perda de um bom lugar para assistir ao show do Muse. Assim, perdi mais uma vez o show dos pernambucanos do Amp (a primeira foi no Abril Pro Rock), Tom Bloch (RS) e da Nancy (DF), uma das bandas que mais queria ver no Porão, entre outras. Mas valeu a pena.

Para muitos, o segundo dia de Porão do Rock 2008 transformou-se no “show do Muse”, com pessoas se deslocando de diferentes Estados para conferir a banda inglesa em Brasília. Afinal, é rara a oportunidade de conferir no Brasil, ainda mais com preços tão acessíveis e em um bom festival, uma das melhores bandas dos últimos anos no auge de sua carreira.
Com toda a produção de rockstars a que tem direito (que vai desde aos 25 quartos reservados em hotel de luxo ao telão, canhões de fumaça e papel picado durante o show), o Muse fez um show inesquecível para a multidão de 20 mil pessoas presentes. Com um som excelente, tocaram durante aproximadamente 1 hora e 20 minutos, começando com “Knights of Cydonia” e disparando hits como “Supermassive black hole”, “Plug in baby”, “Time is running out”, “Stockholm Syndrome”, “New born” e “Feeling Good”. Demonstrando um incrível virtuosismo (extensivo a todo a banda, diga-se), o vocalista e guitarrista Matt Bellamy faz solos monstruosos, adora microfonia entre uma música e outra e possui forte presença de palco, além de tocar piano em algumas músicas e cantar absurdamente.

Inusitada mistura de Radiohead e metal, ao se conferir o Muse ao vivo poderia-se preguiçosamente tachar a banda de indie metal, mas a complexidade e qualidade de suas músicas vão além, como demonstra seu constante avanço desde o álbum de estréia, Showbizz (1999), ao recente e ao vivo H.A.A.R.P (2008). Mais próximo da realidade é imaginá-los como uma banda de rock alternativo perfeita para arenas.

Tocaram mais da metade do último álbum de estúdio, Black Holes and Revelations (2006), com destaque para “Starlight” e “Map of the problematique”. Como já haviam anunciado em entrevistas, não tocaram nenhuma faixa de Showbizz, sendo este o único ponto negativo do show. Mesmo faltando “Sunburn” e “Muscle Museum”, primeiras faixas a tornar o grupo famoso, ninguém reclamou.

CanastraAlém do “acontecimento” chamado Muse, a boa programação do segundo dia confirmou a importância e qualidade do Porão. A seqüência Vai Thomaz no Acaju (que nada mais é que o Móveis Coloniais de Acaju acrecido de Gabriel Thomaz, do Autoramas), Canastra (RJ) e Sapatos Bicolores (DF) funcionou super bem, caindo um pouco apenas na última banda, cuja sonoridade fica um pouco no lugar comum do rockabilly / revival jovem guarda.

O Vai Thomaz no Acaju (DF) fez sue estréia oficial em um festival e ainda contou com a participação do ex-vocalista do Maskavo no show, repleto de canções ska rock semelhante ao que é feito pelo próprio Móveis Coloniais. Na sequência, o Canastra encontrou ótima resposta do público, boa parte dele cantando junto a maioria das animadas e dançantes músicas da banda (eu e Señor Perito nos contentamos em apenas balançar a cabeça e bater os pés no chão, em nossa elaborada estratégia de economia de energia utilizada em festivais*).

Conferir a memorável e roqueira apresentação do Mundo Livre S/A por si só já valeria a ida ao Porão do Rock. Emendando logo na abertura do show os hits “Computadores fazem arte” e “Bolo de ameixa” em versões especiais para o festival, carregadas de distorção, a banda fez com que lamentássemos o espaço de apenas 50 minutos para o show. E ao tocar seu cavaquinho inspiradamente no palco de um festival de rock, Fred Zero Quatro colaborou para destruiu alguns dos clichês rock n roll fortalecidos pelo próprio festival.
Ainda bem que no ano que vem o Mundo Livre deve se apresentar bastante pelo país, comemorando os 15 anos de lançamento do clássico Samba Esquema Noise.

Garota aloprada durante show do Vai Thomaz no AcajuAs outras atrações internacionais da noite, Papier Tigre (FRA) e The Tandooris (ARG), também fizeram boas apresentações, em diferentes níveis. Enquanto o trio francês Papier Tigre mostrou-se como exemplo solitário de rock experimental no festival, carregado de influências de pós-rock, Fugazi, Medications e Battles e deixando perplexa boa parte da platéia, os argentinos do The Tandooris fizeram um show apenas correto, emulando punk e rock´n´roll setentista, parecido com o que o Forgotten Boys faz (sendo que o grupo brasileiro o faz com muito mais qualidade e peso). O grupo Sick City, da Alemanha, não veio ao Brasil aparentemente por problemas com o visto.

As duas maiores atrações locais decepcionaram no sábado. O Supergalo não surpreendeu, já que o máximo que se esperava da banda era uma apresentação mediana. O Lucy and the Popsonics, que se apresentou em formato trio, com a adição de um membro nas programações, por ter feito um show sem força, com os vocais embolados (“Em que língua ela canta?”, perguntava Señor) e com a guitarra baixíssima.

Pouco a comentar sobre a Pitty. Foram 50 minutos que pareceram horas sofríveis.

Fim semi-repentino.


Fotos: Alessandra dos Santos / Marcelo Santiago
Fotos do DFC e Maldita: Assessoria de imprensa do Porão

* Programa de economia de energia patenteado: SER – Saving Energy for Rock.

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