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9 de junho de 2008

Indie comercial

É possível mensurar o alcance de uma determinada manifestação cultural a partir do interesse da publicidade em se apropriar de alguns de seus elementos característicos e adaptá-los à venda de qualquer produto. Isso acontece, principalmente, pela constante busca de diferenciação entre marcas e alcance de público. Neste cenário, onde cada novidade vale ouro (na maioria dos casos, ouro de tolo), a cultura é fonte primária para a linguagem publicitária, fornecendo matéria-prima para todos os seguimentos comerciais e renovando-se indefinidamente.

No Brasil, desde o ano passado percebe-se um crescimento do interesse de grandes empresas, de diferentes setores, em relação ao cenário musical independente. O patrocínio a festivais independentes é apenas uma continuação dos patrocínios realizados há anos, cujos principais marcos datam da década de 90, com eventos do tipo do Hollywood Rock, Close-Up Planet, Free Jazz, entre outros, passando pelos atuais Tim Festival, Nokia Trends, Planeta Terra e o falido Claro Q É Rock. Em um momento ou outro, era natural que essas empresas caminhassem em direção ao mercado independente, considerando o aumento do público, de bandas e da própria qualidade do material criado nessa cena. Porém, talvez o fato mais importante seja a natureza do público "indie", ou seja, aquele que consome e vivencia o cenário independente: em sua maioria, jovens de classe média/alta com acesso às novidades tecnológicas e às tendências culturais européias e norte-americanas. Resumindo: sacos de dinheiro ambulantes prontos para serem gastos em qualquer item que seja aparentemente descolado e "alternativo" (porque ser "alternativo" é o máximo).

* Parágrafo explicativo sobre "o alternativo" e que pode desviar sua atenção das idéias propostas neste texto até o momento ou simplesmente quebrar um pouco o fluxo de leitura. Se você não tem capacidade suficiente para conectar as informações após pequenas interrupções, o problema é seu. Não tenho espírito de Doutor Fritz nem sou mágico, então cérebros de minhoca não são minha especialidade (ainda). Incomodado? Vá ler o blog da Mari Moon (esse "moon" é de vaquinha?) que você irá se sentir bem.


O alternativo: termo imbecil utilizado por babacas incapazes de admitir que seus trabalhos não possuem nada de revolucionário, novo ou sequer interessante, na maioria dos casos muito próximos do pop. Exemplo verídico: quando trabalhava como organizador de conteúdo do Palco MP3, via centenas de bandas de pop rock chulé, "punk" chiclete, emo chorão e até sertanejo mela-cueca, além de forró de putaria e axé barra pagode (meeeedo), que se auto-classificavam como "alternativas". Enfim, não tinham nada que os diferenciasse do lixo pop a que somos submetidos diariamente, mas insistiam em mentir para si mesmos tentando vender uma imagem de "bandas alternativas".
Conselho de auto-ajuda (que estará em meu livro Como Conquistar Favores Sexuais, Fama e Sucesso com o Poder da Mente e uma Caneta Bic Vermelha, futuro best seller) para essas pessoas: se você consegue se imaginar algum dia na trilha sonora de Malhação ou fazendo participação no Big Brother #23, você não é alternativo.



Fim do parágrafo explicativo sobre "o alternativo".

O que passa a chamar atenção neste momento da relação entre mercado independente e publicidade é que novas oportunidades e iniciativas estão surgindo e, até o momento em que não interfiram na criação artística, são benéficas para ambos os lados. No caso da música, as bandas finalmente passam a ter alguma remuneração relevante, alcançam um novo público e, por tabela, têm condições de fazer melhores gravações e mais shows. Para os anunciantes/patrocinadores, é um modo de buscar a identificação de seu público alvo e se envolver com algo novo e construtivo no ramo cultural.

Comercial da Unimed com trilha do Retrofoguetes



Poucos anos atrás, ver uma banda como o Forgotten Boys em um comercial na TV era uma anomalia que fazia você pensar se aquele resto de sanduíche de três dias atrás que você havia acabado de comer estava lhe fazendo ter alucinações. Hoje, é possível ligar a TV e se deparar com um comercial da Vivo ao som de Mallu Magalhães, ver uma vinheta do canal Sony com trilha do Ludov ou conferir no YouTube um comercial da Unimed embalado pelo rock intergalático instrumental dos baianos do Retrofoguetes.

Comercial da Vivo com trilha de Mallu Magalhães



E existem iniciativas mais interessantes, como a Toddy patrocinar o antigo Prêmio Dynamite e criar o Produtores Toddy; a Motorola abrir inscrições para seu festival (Motomix), permitindo que bandas independentes se apresentem junto às atrações internacionais e dando condições dessas mesmas bandas fazerem gravações decentes; empresas como a Votorantin e a Kildare patrocinarem o Download Remunerado da TramaVirtual; a Pepsi fazer uma parceria com o selo alternativo Amplitude; etc.

Recentemente, o que mais me chamou atenção foi o Levi´s Music, através do qual a marca de roupas apoia os já citados Forgotten Boys e Mallu Magalhães, além do Vanguart, Cine e Drive.

Os patrocínios vão além e atingem também a mídia independente, mas em escala (ainda) muito menor. A marca de tênis West Coast, por exemplo, criou um e-zine chamado SnackZine e convidou blogueiros diversos a visitar o site e escrever sobre o mesmo. Em troca, poderiam escolher um par de qualquer tênis da marca. Contanto que fique claro para o leitor que se trata de um post patrocinado, é uma iniciativa bacana. Empresas como Axe e Canon também já aderiram à prática. Em outros casos, a relação é mais tradicional, com a inserção de banners, como no Update or Die.

Muitas empresas preferem criar seus próprios blogs ou hotsites culturais, mas não percebem que investir em blogs e sites que já vêm obtendo destaque em seus respectivos nichos pode ser muito mais interessante e vantajoso. Por exemplo, já imaginou como seria excelente se uma companhia aérea bancasse minhas viagens para os principais festivais independentes que acontecem por todo o país? Eles atingiriam milhares de pessoas que, por estarem lendo sobre aqueles determinados festivais, mostram-se interessadas nas atividades culturais de outros estados e, portanto, são possíveis clientes.
Fica aí a dica, senhores diretores de marketing, para um ótimo investimento e de baixo custo. Enviem suas incríveis e irrecusáveis propostas para o email marceloarrobameiodesligado.com! (ps.: escrevo "arroba" no lugar do ícone @ para fugir de eventuais robôs de spam, caso você não saiba)

Somados à crescente (porém ainda incipiente) participação do poder público no cenário independente, o que se vê são inúmeras possibilidades e a sensação de que algo extremamente importante está sendo construído neste exato momento, majoritariamente graças à internet, e que eu e você, que está lendo este blog agora, fazemos parte de tudo isso.

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