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30 de outubro de 2007

Terminal Guadalupe - Pop sim, e daí?

A Marcha dos InvisíveisForte candidato a melhor álbum de 2007 na cena independente brasileira, A Marcha dos Invisíveis, lançado em agosto deste ano, consolida o Terminal Guadalupe como um dos principais nomes do pop rock brasileiro. Os curitibanos, que se auto-rotulam como uma banda de “pop de garagem”, fazem um som marcado por melodias pop e guitarras distorcidas, que servem como suporte perfeito para que o vocalista Dary Jr. se arrisque em letras políticas, sociais e existenciais, sem que as canções se tornem árduas.

Criado em 2002 como um projeto individual de Dary Jr, o Terminal Guadalupe se consolidou como banda a partir do 3o álbum, Você vai perder o chão, que rendeu aos curitibanos o prêmio de melhor disco independente de 2005, na categoria Escolha do Público, da revista Laboratório Pop. “A gente estava concorrendo com Violins, Céu, Lobão e Cidadão Instigado”, conta orgulhoso o guitarrista Allan Yokohama.

A partir daí o grupo ganhou mais um guitarrista, apareceu na revista Veja como uma banda “próxima de estourar”, inovou lançando o último álbum em pen drive, emplacou a faixa “Pernambuco Chorou” em 1o lugar numa rádio curitibana e ganhou a estrada e os palcos dos principais festivais independentes do país. Em outras épocas, o Terminal Guadalupe já teria caído nas graças de alguma grande gravadora e seria presença constante nas rádios do país, mas como os tempos são outros, a banda vai aos poucos achando seu espaço dentro do cenário independente e aguardando uma brecha entre os modismos do mainstream para despejar seu “rock brasiliense” sobre o grande público.

Em uma conversa num boteco de Belo Horizonte, após o show no Festival Garimpo, o vocalista Dary Jr e os guitarristas Allan Yokohama e Lucas Borba revelaram a intenção de lançar um álbum duplo de inéditas, fizeram criticas a Los Hermanos e falaram sobre influências, cena de Curitiba, mercado musical e política.

O Terminal Guadalupe é uma banda politizada?
Dary Jr - Na condição de letrista e por ser jornalista, tenho uma influência muito grande da realidade. Eu não consigo dissociar aquilo que vivo daquilo que escrevo. É muito importante que quem faz letra acredite na própria verdade. Acho que a gente consegue passar uma intensidade muito grande nos shows pelo fato de eu acreditar naquilo que estou falando. Jornalismo, cinema e política são as coisas que mais me influenciam. São as minhas áreas de interesse e é natural que apareçam nas canções. É como uma música do Cabaret que se chama “O amor e a guerra”. Nossas músicas são sempre assim, a gente vive entre o amor e a guerra.

Por que você diz que o Terminal Guadalupe é uma banda brasiliense?
Dary Jr. - A gente precisa fazer um exercício de crítica saudável. As bandas dos anos 80 escreviam muito bem, mas não tocavam bem porque não tinham condições técnicas e também porque eram maus músicos. Mas eles conseguiam superar isso com grandes performances, com um apuro muito grande de palco e uma verdade muito intensa na maneira de falar, de se expressar. Isso é algo que a gente não consegue ver com muita facilidade hoje. Dificilmente você encontra um músico hoje que consegue se expressar muito bem, que tenha suas idéias bem articuladas e que construa uma frase com sentido. Eu chamo o Terminal Guadalupe de a banda mais brasiliense de Curitiba por causa do espírito das bandas dos anos 80 de Brasília. Acho que a gente traz esse espírito, esse senso crítico das bandas dos anos 80 com esse aparato tecnológico e técnico dos anos 90.

Qual a relação da banda com o Violins (GO)? (O Terminal Guadalupe toca uma cover de “Grupo de Extermínio de Aberrações”, considerada por Dary Jr. a melhor música do rock nacional desde “Perfeição” da Legião Urbana).
Dary Jr. - Há uma afinidade estética, intelectual e sonora. É uma banda maravilhosa e a gente sente falta de bandas como o Violins no rock nacional. É importante que existam bandas com algo a dizer. Non sense, música meramente para diversão ou música pra trepar é legal de vez em quando, mas é importante que você tenha bandas com algo a dizer, senão tudo fica diluído, tudo vira apenas diversão e você não reflete sobre absolutamente nada.

Quais bandas no Brasil hoje tem algo a dizer?
Dary Jr. - É complicado pra gente dizer porque defendemos muito a cena de Curitiba. A gente acha que é um lugar diferente. A música produzida lá é muito rica, muito diversa. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, os mods não são hegemônicos lá. Muita gente acha que Curitiba faz rock gaúcho. Tem muita banda lá que faz esse tipo de som e faz bem, mas é muito maior que isso.

Como é a cena de Curitiba com relação à movimentação, organização....
Allan Yokohama - Não é nada organizado porque Curitiba está começando e tentando se organizar. Acho que as bandas de lá tem bastante qualidade hoje. Só que a cena é muito nova.
Dary Jr. – O nosso problema é organização. Falta uma articulação maior entre as próprias bandas na cena mais pop rock que é onde a gente circula. Se você pegar a cena hardcore, psychobilly e metal, os caras são super organizados. A gente ainda não consegue nem mesmo lotar uma casa de show em Curitiba. Nosso público é sempre médio, cerca de 150, 200 pessoas. Pra lotar é preciso ter umas três ou quatro bandas.
Allan Yokohama – Não dá pra culpar o público por ele não conhecer a cena independente se ele não ouve e não vê a cena. Acho que a mídia é prejudicial ao não dar acesso às pessoas àquilo que sua própria cidade produz.

Como o Terminal Guadalupe se coloca sobre essa questão de ser independente ou ser mainstream?
Dary Jr. – Isso é tranquilo. Não temos vergonha de ser chamados de pop. A gente está fazendo nosso trabalho com calma, sem se deslumbrar com as críticas. A gente não vende a alma pra estourar.
Allan Yokohama – Na verdade existe o pop bom e o pop ruim, assim como o rock bom e o rock ruim, o samba bom e o samba ruim.
Dary Jr. – O Sérgio Martins da revista Veja costuma dizer que o que existe é música boa e música ruim.

O que mudou no caminho entre o primeiro disco e este último?
Dary Jr.– O primeiro era um projeto pessoal meu que tinha a banda Poléxia como grupo de apoio. Já o segundo disco tem a formação que gravou o terceiro e aí é um salto, começa a virar banda de verdade. Embora ainda houvesse um predomínio de canções minhas o Allan começou a entrar como compositor. Nesse último já é a banda madura mesmo. O Allan fazendo as músicas e eu fazendo as letras. O Lucas entrou já nessa nova faze após a gravação do A Marcha dos Invisíveis. É mais um elemento pra trazer todo um background de referências pro próximo trabalho.
Allan Yokohama – E a gente quer e vai fazer um disco diferente do outro. A gente não quer se repetir.

"Pernambuco chorou"


Que som influencia a banda?
Dary Jr.– O Fabiano é um baterista que começou tocando trash metal, mas ele ouve de tudo. O Rubens é um cara mais fechado e ouve mais jazz. O Lucas gosta de rock nacional, das bandas indie e de rock inglês. O Allan começou a tocar guitarra por causa do grunge e eu sou pop mesmo. Fui um cara que sempre ouviu rádio e apesar de ouvir tudo o que gosto mesmo é rock nacional. Eu ouço muito Violins, Pública, Sérgio Sampaio, Lasciva Lula e as velhas coisas como Nirvana, Smiths... Eu ouço Legião direto, ouço Plebe Rude pra caralho e o primeiro disco do Capital Inicial sempre que eu posso.
Allan Yokohama – Mas o melhor cd internacional este ano é o do Quens of the Stone Age.

Por fazer um som mais pop, vocês já alcançaram as rádios?
Dary Jr.– A gente já ficou em primeiro lugar na rádio rock de Curitiba. Desbancamos o Fall Out Boy.
Lucas Borba – Fall Out Boy, Artic Monkeys e Red Hot Chilli Peppers.
Dary Jr.– Lá é top 9 e das nove bandas, oito eram estrangeiras. Lideramos por duas semanas a parada com “Pernambuco Chorou”. Em janeiro os caras da Jovem Pan viram a matéria com a banda na Veja e chamaram a gente pra tocar na rádio. O status da banda mudou a partir daquela reportagem. Passou a vir muito mais gente nos shows.

Como vocês divulgam hoje?
Dary Jr. – Internet. A gente se desdobra pra participar de festivais, até porque rola uma cobertura de blogs, que são feitos por pessoas que estão sempre ligadas. Isso não pode se subestimado porque tem um poder de multiplicação terrível. Até quando o cara fala mal é legal porque a galera vai ouvir pra conferir se é isso mesmo. A internet tem uma força terrível. A gente não estaria aqui se não fosse a internet. Mas graças a Deus não tem ninguém falando mal da gente. Estou até com medo de estarem guardando tudo pro próximo disco (risos).

Hoje a gente assiste a um fenômeno que é o de bandas conseguirem se sustentar no circuito independente enquanto um número muito menor de artistas alcança o mainstream. Isso é uma tendência?
Dary Jr. - O mercado mudou, não dá mais pra ficar pensando “ah eu vou assinar com uma gravadora”. A gente até espera que role e se vier maravilha, vai ser importante pra gente gastar menos. Mas na verdade, tem uma coisa muito clara. Diante dessa nova realidade do mercado que está tomado pela pirataria e pelo MP3, o que as gravadoras estão fazendo? Só estão apostando nos medalhões, no que é certo, então os artistas de massa vão continuar tendo a atenção das gravadoras. Quando elas vão trabalhar segmentos como o rock, elas investem naquilo que é a tendência, aquilo que é a moda. Agora a gente está vendo bandas emo recebendo grande atenção das gravadoras porque elas são a tendência do momento. Elas não expressam a riqueza e a variedade da produção nacional, mas é uma parcela que está com força no mercado e bandas assim tem espaço, em bandas assim as gravadoras apostam. No nosso caso, temos letras que não são muito acessíveis e um som que não pode ser encaixado como mod. A gente não vai na onda Los Hermanos e Strokes, a gente não é hardcore, a gente não é mod, a gente não está numa tribo e assim fica mais difícil pra gravadora vender a banda. Acho que tem muito esse raciocínio “de que tendência de mercado vocês fazem parte?”. A gente não está em tendência de mercado. É preciso ter ousadia. A gente está abrindo espaço a fórceps.
Allan Yokohama – E o legal é que cada banda tenha sua cara própria. Influência tudo bem, mas cópia? Eu gosto de Strokes, mas não gosto de quem copia Strokes.
Dary Jr. - Você já gostou bastante de Los Hermanos.

O que tem o Los Hermanos?

Dary Jr.– O Bloco do Eu Sozinho é do caralho, mas eu não gosto da postura da banda.
Allan Yokohama – E tem esse monte de banda imitando o som e até o jeito de cantar do Amarante...
Dary Jr. – Aquele jeito bêbado (faz uma careta e manda um êêêôôô com a língua embolada). Mas não tiro o mérito do Los Hermanos. Das bandas de mídia ela é do caralho.

A que tipo de postura você se refere?
Dary Jr. - Aquela coisa meio blasé, meio “não tô nem aí”. Tudo fake! Eu conheci os caras, vi show no início da carreira e eles eram simpáticos, fazendo esforço pra agradar todo mundo e aí depois decidiram que precisavam mudar a imagem. “Agora vamos ser refinados”. Nesse processo alguma coisa se perdeu, embora eles não tenham perdido a empatia com o público, mesmo com essa coisa de ser menos expansivo. Alias acho que como jogada, mesmo sem ter sido pensada, funcionou muito bem, acabou criando uma legião de fãs que é uma coisa terrível. São fãs insuportáveis. Acho que eu gosto menos da banda hoje mais por causa dos fãs do que dos caras. Não existe coisa mais chata que um fã radical de Los Hermanos. Eles são insuportáveis, aquela coisa meio neo-hippie.... Mas a banda conseguiu uma coisa interessante, porque depois deles toda banda que apareceu tendo um cuidado com as letras as pessoas já dizem “pô vocês gostam de Los Hermanos”. Um cara veio fazer essa comparação com a gente em Brasília. Pô, não tem nada a ver! Aí eu falei “eu detesto Los Hermanos” (gargalhadas).
Allan Yokohama – Mas sãos eles lá e a gente aqui. Nada Contra. Acho o Amarante um puta cara, respeito pra caralho.

Mini-documentário sobre as gravações do álbum A Marcha dos Invisíveis

E essa camiseta? (Dary Jr. estava usando uma camiseta de Cuba). Você é um esquerdista?
Dary Jr. – Eu sou, mas acho que é extemporâneo discutir sobre questões ideológicas no mundo hoje. Eu nutro muitas simpatias por Cuba, mas faço muitas críticas como, por exemplo, quanto à falta de liberdade de expressão. Eu valorizo muito as conquistas de Cuba que é um país minúsculo e conseguiu avançar tanto em áreas como educação e saúde, que é algo que nós não temos aqui. Na verdade não existe regime perfeito. A coisa da gente tocar de uniforme é uma referência aos motoristas e trocadores lá de Curitiba e também pra lembrar as origens. Todo mundo aqui é filho de trabalhador, só que ninguém quer passar fome e morar em casa igual. Eu acredito muito mais na micro-política e acho que a partir daí a gente vai conseguir alguma transformação, porque as esperanças que a gente tinha na macro-política de chegar lá e fazer tudo, o tempo e a experiência demonstraram que não deu certo. Eu sou uma pessoa que militou bastante politicamente, no movimento estudantil e como jornalista exercendo a atividade com uma posição muito crítica, mas a questão não é ideologia, a questão é caráter. Tem gente decente na direita e na esquerda, como tem muito vagabundo também. Tem gente que não presta em tudo quanto é lugar. O que importa é ser decente.

DISCOGRAFIA
Burocracia romântica – Trilha Sonora Original - 2003
Girassóis clonados - 2004
Você vai perder o chão – 2005
Vou tirar você desse lugar – Tributo a Odair José (1 música) – 2006
A marcha dos invisíveis - 2007

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