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5 de outubro de 2007

Festival Garimpo: cobertura completa

Bruno, do Macaco Bong
Desde 2003, quando aconteceu o festival Indie Rock (cuja programação incluía Forgotten Boys, Borderlinerz e Violins), Belo Horizonte não tinha um evento de médio porte e boa programação dedicado ao rock independente. Nos dias 27, 28 e 29 de setembro a situação foi alterada graças ao programa de tv Alto-Falante e o bar dançante A Obra, que, para comemorar os 10 anos de ambos, resolveram juntar forças e organizar o Festival Garimpo de Música Independente. Ao todo, foram 19 bandas, seis delas de fora de Minas Gerais, incluindo alguns dos grupos mais promissores do cenário independente, como Terminal Guadalupe e Vanguart.

Início à la Trapalhões

A inusitada abertura do festival deu-se no Teatro Dom Silvério, na quinta-feira, com a dupla de comediantes, quer dizer, músicos, Wander Wildner e Thunderbird (sim, o ex-VJ da MTV), que junto ao guitarrista Sérgio Serra (do Ultraje a Rigor, ausente na apresentação por ocasião de "uma operação de mudança de sexo", segundo informaram seus companheiros de banda durante a passagem de som) formam a Sub Versões, banda dedicada à releitura de "clássicos" do rock em versões acústicas e em português.

Wander Wildner e ThunderbirdPrejudicados pelos inúmeros problemas no som, chegando até mesmo a interromper a apresentação por diversas vezes, a dupla teve de se valer de seus dotes cômicos para contornar os problemas e tentar dar continuidade ao show. Enquanto não atuavam como aspirantes à Seinfeld, tocaram versões abrasileiradas de "Passenger", do Iggy Pop, "I don't wanna grow up", de Tom Waits e imortalizada pelos Ramones (traduzida como "Eu não quero crescer"), além de versões dos Mutantes, Ultraje a Rigor, Replicantes e do próprio Wander Wildner. Melhor piada: "Cada Marista tem o Chevrolett que merece" (entendimento restrito aos moradores locais).

A primeira noite do Garimpo continuou, após o show do Sub Versões, n'A Obra, onde tocaram as bandas locais Dead Lover's Twisted Heart, Carolina Diz e os uberlandenses da Porcas Borboletas. Minhas péssimas experiências anteriores com estas mesmas bandas pesavam à favor de um rápido táxi para a casa, mas havia um pouco de esperança ("o menino Jesus vai te ajudar, força!"). Ao chegar à porta da Obra e fitar as faces do público que esperava para entrar, nem mesmo Nossa Senhora da Cabeça poderia fazer com que eu ficasse por ali. Uma cama (emprestada) me esperava.

Indie não sabe dançar

Enquanto encarava um cadáver estendido na esquina da rua Rio de Janeiro com Caetés, hipercentro da capital mineira, era provável que os primeiros acordes do Julgamento fossem tocados na segunda noite do Garimpo, na Obra. Tudo a ver. As letras sobre discriminação e realidade social, apesar de caírem no clichê por diversos momentos, são interessantes e combinam com o hip hop carregado de rock feito pela banda. O fato de terem toda a estrutura típica de uma banda de rock (guitarra, baixo, bateria) deixa o som mais conciso e orgânico, aberto às intervenções dos dois DJ's do grupo.

O DJ Roger Moore deu continuidade à veia negra, porém com muito mais balanço, tocando seu live set que pode ser descrito como "trilha sonora de blaxpoitation atualizada". Em seguida, a Paralaxe viria para fazer um show horrível e prepotente, (má)influenciada pela eletrônica farofa do início dos anos 90 e Living Colour. Muito mais proveitoso era discutir se a menina tatuada e de nariz avantajado próxima ao bar era ou não a Clarah Averbuck, a.k.a. Camila, "a mina que adora engolir porra". No fim das contas, era.

Para terminar, a dupla brasiliense Lucy and the Popsonics fechou a noite mostrando que electro punk de verdade não é aquilo que você escuta na Mary In Hell (piada local). Em tempos em que toda bandinha que mistura um pouco de eletrônica com uma influência qualquer de rock é tachada de electro punk pelos imbecis de plantão, um show como este torna-se ainda mais satisfatório e necessário. O som simples e direto da banda, com suas letras superficiais e muita distorção, funciona bem ao vivo e, acima de tudo, diverte.

Prato principal


"Os shows começam impreterivelmente no horário", dizia o flyer. Porém, como de costume em Belo Horizonte, o primeiro show do último, e principal, dia do Garimpo começou com duas horas de atraso. As pessoas que marcaram bobeira e chegaram ainda mais tarde acabaram perdendo um dos melhores shows de todo o festival, feito pela banda curitibana Terminal Guadalupe.

A veia pop e o potencial da banda são inegáveis e a postura política das letras a torna ainda mais interessante. As canções funcionam bem ao vivo, principalmente as do recente álbum A Marcha dos Invisíveis, e aquelas cantadas pelo guitarrista Allan Yokohama lembram uma espécie de Skank com um pé no indie/brit rock contemporâneo.

Valv e Estrume'n'tal (ambas de BH) fizeram os shows mais fracos do palco principal e possuem uma semelhança interessante: estas também são as bandas com a mais alta média de idade dos integrantes. Seria esse um indício de como a nova geração de bandas já superou em muito a qualidade dos grupos da geração passada? Ao que tudo indica, os tiozinhos terão de se contentar em brincar de fazer rock e tocar nos festivais de amigos, enquanto as novas bandas independentes dominam, pouco a pouco, a música nacional.

Até esse momento, no palco dois (intitulado "Palco Sol", devido à cerveja patrocinadora) tinham se apresentado Leandro Ferrari (BH) e sua gaita virtuose (da qual ouvi com um pouco mais de nitidez apenas enquanto esperava na fila da caipirinha) e a versão sonora do coletivo Esquadrão Atari, que infelizmente foi muito prejudicado com os problemas de áudio e teve seu show resumido à 15 minutos de ruído e, no máximo, duas músicas. Quem ficou insatisfeito (todo mundo?) pode aproveitar para ver o show de verdade do EA na dia 19 de outubro n'A Obra, em mais uma etapa do Festival BPM.

Bruno, do Macaco Bong
Pela segunda vez em Belo Horizonte, o Macaco Bong bateu o recorde de aprovação do público e fez o melhor show do Garimpo. Além de contar com exímios instrumentistas, a banda possui canções marcantes e cheias de viradas, permeadas de trechos viajandões e outros mais agitados. Na análise sonora é possível perceber pós-rock, metal, hard rock, jazz e outros gêneros que, sintetizados pelo grupo cuiabano, resultam em "uma das melhores bandas da atualidade em todo o mundo", segundo Terence Machado, do Alto-Falante. Eu reitero.

Outro show bastante esperado era o da UDR, para a qual a classificação de "infame" é eufemismo. Apesar do som baixo, foi o show mais concorrido do Palco Sol. Utilizando um laptop no lugar do tradicional CD com as bases gravadas, a dupla divertiu a platéia (que levou até placa escrita "Satanás") com sua mistura de funk carioca, metal e rock and roll anti-cósmico da morte e deixou pasmos os seguranças do Lapa Multshow, que não escondiam o desgosto ao ouvir trechos de letras como "fogo do capeta, brasa na calcinha / deformo sua buceta e arrombo a sua bundinha", na incrível "Gigolô autodidata".

MonnoVoltando ao palco principal, os mineiros do Monno também foram prejudicados por problemas no som, em menor escala, mas mesmo assim não chegaram a mostrar a mesma qualidade alcançada em estúdio. Atualmente entre as cinco maiores promessas do underground brasileiro, a Monno vem galgando importantes degraus em relação ao conhecimento junto ao público e à qualidade técnica. Resta apenas que a evolução se reflita nas apresentações.

Problema semelhante está longe de acontecer com o Vanguart, atual queridinho da mídia especializada. Era claro que grande parte do público desconhecia as canções da banda (com exceção do hit "Semáforo"), mas nem por isso o show foi menos empolgante. Alguém disse que parecem "uma daquelas bandas de festival de música da década de 70", tanto no figurino como no som, e é preciso concordar.

Após nove shows e muitas caipirinhas, era difícil ter ânimo para a surf music temática e instrumental do PROA no Palco Sol. Melhor investimento era convencer a segurança de que você estava passando mal e necessitava sair do Lapa urgentemente para comprar um super sanduíche de pernil (já que não havia mais comida no local) para recuperar a energia.

MontageMesmo pegando o público cansado e com a responsabilidade de fechar o festival, o Montage não decepcionou e fez seu show de costume: animado, glam, erótico. A performance do vocalista Daniel Peixoto é um atrativo à parte e inclui até mesmo um striptease realizado em parcelas, entre uma canção e outra, para o delírio da juventude transviada (entendeu o trocadilho? uh?) que se aglomerava na primeira fila para tocar as pernocas do dândi loiro.

Desde a saída do guitarrista Patrick Bacchi a banda perdeu muito de sua força ao vivo, agora tendendo mais para o eletrônico, mas ainda assim alcançando bons resultados. Entre os pontos altos do show estão o início, tocando o hit da banda, "I trust my dealer", "Raio de fogo" e a cover de "Money, success, fame, glamour", da trilha sonora de Party Monster.

No fim, saldo extremamente positivo para o Garimpo e a sensação de que, apesar dos erros e imprevistos, muita coisa interessante está por vir...

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