O termômetro no centro de Cuiabá indicava 40 graus em plena tarde de inverno. No bairro do Porto, becos estreitos e escuros abrigando bêbados, traficantes e prostitutas levavam ao Museu do Rio, onde seria realizada a quinta edição do Calango - um dos quatro maiores festivais independentes do país. O cenário desbotado e o clima insuportável faziam jus ao carinhoso apelido de "Inferno" ganhado pela cidade, que estava literalmente cercada pelo fogo que consumia matas nas cidades vizinhas.
Ao todo, cerca de seis mil pessoas enfrentaram o nada hospitaleiro bairro do Porto para ver 47 bandas independentes de todas as regiões do país durante os três dias de festival; isso em uma cidade de pouco mais de 500 mil habitantes e que ainda abrigava um evento de música popular no mesmo final de semana. "Em São Paulo as pessoas levam tudo mais na brincadeira porque é comum rolar essa movimentação. Nesses lugares que estavam fora do eixo e não tinham um histórico eles estão construindo tudo rapidamente e isso se deve a organização e a seriedade que as pessoas têm", arriscou Daniel Belleza tentando traduzir o que ocorre em Cuiabá. Com o show marcado apenas para domingo, ele circulou entre o público todos os dias de festival, além de ser figurinha fácil nas noites cuiabanas. "Eu venho direto. Acho que foi amor à primeira vista. Eu gosto muito daqui, as pessoas são legais e o público é muito interessado no seu trabalho", justificou.
Embora aconteça durante três dias, o Calango só começou de verdade no sábado, já que na sexta o que se viu foram apresentações medianas de bandas como Debate (SP) e Rockfelers (GO), enquanto bandas que não empolgariam nem festa de aniversário de amigos criaram uma expectativa nada animadora para os próximos dois dias. No sábado, porém, a história foi outra. Apesar de não ter chegado a tempo de ver o show da inclassificável Seminal, de São Paulo (uma semana depois a banda liderava com 30% dos votos uma enquete na comunidade do Calango no Orkut como o show "de fora" preferido do público), vários shows valeram o sacrifício de deixar o ar condicionado do hotel para enfrentar as chamas do inferno.
Os cariocas do Manacá surpreenderam com um show melhor que suas gravações em estúdio e a tentativa de fazer rock bebendo na fonte da MPB e da música folclórica funcionou bem ao vivo, gerando expectativas sobre a banda, formada há apenas um ano e meio. O rock de pegada pop do Terminal Guadalupe (PR) por si só já valeria a noite de sábado. Influenciados por britrock, o grupo apresentou as canções do seu último disco, "A marcha dos invisíveis", recheado de potenciais sucessos cantados em coro por boa parte do público. Já de madrugada, foi a vez dos cuiabanos do Macaco Bong mostrarem porque são, ao lado do Vanguart, o maior nome da música cuiabana. O trio instrumental apresentou seu já conhecido repertório hipnotizante que será gravado em disco no final do ano. A noite ainda reservava um grande show do Movéis Coloniais de Acajú (DF), que conseguiu acordar o público exausto às quatro horas da manhã com uma apresentação enérgica, que terminou com a platéia de mãos dadas formando uma roda enquanto os músicos desciam do palco e tocavam no meio da pista.
De longe o melhor dia do Calango, o domingo já começou com o Skarros (MT) conseguindo fazer o pequeno público moshar com seu hardcore à lá Ratos de Porão ainda às sete da noite. Mas a primeira banda a realmente chamar a atenção foi o Quarto das Cinzas (CE). Com um som baseado em trip hop e MPB o trio, que usa bateria eletrônica, conta com o belo vocal da atriz Laya Lopes, que mais tarde ainda daria as caras no show dos conterrâneos do Montage.
Experiência inigualável dentro do Calango foi o show de Daniel Belleza e os Corações em Fúria. Contando já de cara com a participação de Bruno Kayapy, guitarrista do Macaco Bong, na primeira música, a banda conseguiria levar boa parte do público ao êxtase sem fazer muito esforço, mas mesmo assim eles fizeram. Vestido com uma fantasia bizarra, Daniel foi aclamado como um popstar e conseguiu juntar cada vez mais gente em frente ao palco. "Nós não tocamos para fotógrafos, nem para imprensa" gritou antes de conclamar o público a arrancar as grades de proteção e se aproximar do palco - ordem atendida imediatamente pelos fiéis que deixaram os seguranças completamente desnorteados e espantaram boa parte da imprensa do local. Depois de restabelecer parcialmente a ordem, os seguranças ainda tiveram que socorrer Daniel de um tombo após escorregar em um amplificador e se arrebentar no chão bem em frente ao público que o agarrou pela trança. Mais hilário que isso, só mesmo o jornalista Humberto Finatti bêbado no palco tentando participar do show.
Por mais que as próximas bandas tentassem, estava claro que ninguém alcançaria uma performance tão bizarra, engraçada e que contasse com tanta resposta do público. O estrago feito por Daniel acabou prejudicando o show seguinte, dos cuiabanos do Boneca Inflável, que foram recebidos mais friamente. Mas o Calango havia reservado um headline perfeito para sua última noite com shows seguidos de Montage, Patife Band, Vanguart e Tequila Baby, o que tornava impossível não se contagiar novamente.
A dupla cearense do Montage enfileirou um sucesso atrás do outro de seu electro rock e avisou que está de malas prontas para uma turnê européia entre novembro e dezembro. Reflexos do CSS? "São caminhos diferentes. Eles tiveram a sorte de assinar com o selo do Nirvana e fechar uma turnê com o Diplo. A gente teve que juntar dinheiro pra viajar. É uma história completamente diferente", explicou o vocalista Daniel Peixoto antes de manter relações libidinosas com a caixa de retorno no palco.
O trio Patife Band (PR) apresentou seu punk rock experimental e rebuscado a um público que, em boa parte, era mais novo que a própria banda, formada em 1983. O grupo, no entanto, convenceu e deixou muita gente se perguntando como nunca tinha ouvido falar dele. Já de madrugada, o show mais aguardado da noite. O Vanguart, que acabava de lançar seu primeiro álbum na revista Outra Coisa, fez todos cantarem juntos hits do cenário independente como "Semáforo", que contou com uma invasão de vários outros músicos no palco. Nem mesmo os queridinhos da cena cuiabana escaparam do rigor da organização do festival. Assim que deu meia hora o som foi cortado. O vocalista Hélio Flanders chiou e ainda conseguiu mais uma música, prometendo um show completo com direito até a Raul na semana seguinte na Casa Fora do Eixo.
Vanguart > Semáforo
Por fim, os gaúchos da Tequila Baby, que sonham ser Ramones, fizeram sem dificuldade o público cantar canções como "Sexo, Algemas e Cinta-Liga" e "Tira o sutiã, tira a calcinha" e encerraram o Calango 2007 com a dobradinha "I wanna be sedated" e "Blitzkrieg Bop". Embora faltassem poucas horas para amanhecer a segunda-feira, a banda ainda ouviu um coro de bis do incansável público cuiabano.
Ao todo, cerca de seis mil pessoas enfrentaram o nada hospitaleiro bairro do Porto para ver 47 bandas independentes de todas as regiões do país durante os três dias de festival; isso em uma cidade de pouco mais de 500 mil habitantes e que ainda abrigava um evento de música popular no mesmo final de semana. "Em São Paulo as pessoas levam tudo mais na brincadeira porque é comum rolar essa movimentação. Nesses lugares que estavam fora do eixo e não tinham um histórico eles estão construindo tudo rapidamente e isso se deve a organização e a seriedade que as pessoas têm", arriscou Daniel Belleza tentando traduzir o que ocorre em Cuiabá. Com o show marcado apenas para domingo, ele circulou entre o público todos os dias de festival, além de ser figurinha fácil nas noites cuiabanas. "Eu venho direto. Acho que foi amor à primeira vista. Eu gosto muito daqui, as pessoas são legais e o público é muito interessado no seu trabalho", justificou.
Embora aconteça durante três dias, o Calango só começou de verdade no sábado, já que na sexta o que se viu foram apresentações medianas de bandas como Debate (SP) e Rockfelers (GO), enquanto bandas que não empolgariam nem festa de aniversário de amigos criaram uma expectativa nada animadora para os próximos dois dias. No sábado, porém, a história foi outra. Apesar de não ter chegado a tempo de ver o show da inclassificável Seminal, de São Paulo (uma semana depois a banda liderava com 30% dos votos uma enquete na comunidade do Calango no Orkut como o show "de fora" preferido do público), vários shows valeram o sacrifício de deixar o ar condicionado do hotel para enfrentar as chamas do inferno.
Os cariocas do Manacá surpreenderam com um show melhor que suas gravações em estúdio e a tentativa de fazer rock bebendo na fonte da MPB e da música folclórica funcionou bem ao vivo, gerando expectativas sobre a banda, formada há apenas um ano e meio. O rock de pegada pop do Terminal Guadalupe (PR) por si só já valeria a noite de sábado. Influenciados por britrock, o grupo apresentou as canções do seu último disco, "A marcha dos invisíveis", recheado de potenciais sucessos cantados em coro por boa parte do público. Já de madrugada, foi a vez dos cuiabanos do Macaco Bong mostrarem porque são, ao lado do Vanguart, o maior nome da música cuiabana. O trio instrumental apresentou seu já conhecido repertório hipnotizante que será gravado em disco no final do ano. A noite ainda reservava um grande show do Movéis Coloniais de Acajú (DF), que conseguiu acordar o público exausto às quatro horas da manhã com uma apresentação enérgica, que terminou com a platéia de mãos dadas formando uma roda enquanto os músicos desciam do palco e tocavam no meio da pista.
De longe o melhor dia do Calango, o domingo já começou com o Skarros (MT) conseguindo fazer o pequeno público moshar com seu hardcore à lá Ratos de Porão ainda às sete da noite. Mas a primeira banda a realmente chamar a atenção foi o Quarto das Cinzas (CE). Com um som baseado em trip hop e MPB o trio, que usa bateria eletrônica, conta com o belo vocal da atriz Laya Lopes, que mais tarde ainda daria as caras no show dos conterrâneos do Montage.
Experiência inigualável dentro do Calango foi o show de Daniel Belleza e os Corações em Fúria. Contando já de cara com a participação de Bruno Kayapy, guitarrista do Macaco Bong, na primeira música, a banda conseguiria levar boa parte do público ao êxtase sem fazer muito esforço, mas mesmo assim eles fizeram. Vestido com uma fantasia bizarra, Daniel foi aclamado como um popstar e conseguiu juntar cada vez mais gente em frente ao palco. "Nós não tocamos para fotógrafos, nem para imprensa" gritou antes de conclamar o público a arrancar as grades de proteção e se aproximar do palco - ordem atendida imediatamente pelos fiéis que deixaram os seguranças completamente desnorteados e espantaram boa parte da imprensa do local. Depois de restabelecer parcialmente a ordem, os seguranças ainda tiveram que socorrer Daniel de um tombo após escorregar em um amplificador e se arrebentar no chão bem em frente ao público que o agarrou pela trança. Mais hilário que isso, só mesmo o jornalista Humberto Finatti bêbado no palco tentando participar do show.
Por mais que as próximas bandas tentassem, estava claro que ninguém alcançaria uma performance tão bizarra, engraçada e que contasse com tanta resposta do público. O estrago feito por Daniel acabou prejudicando o show seguinte, dos cuiabanos do Boneca Inflável, que foram recebidos mais friamente. Mas o Calango havia reservado um headline perfeito para sua última noite com shows seguidos de Montage, Patife Band, Vanguart e Tequila Baby, o que tornava impossível não se contagiar novamente.
A dupla cearense do Montage enfileirou um sucesso atrás do outro de seu electro rock e avisou que está de malas prontas para uma turnê européia entre novembro e dezembro. Reflexos do CSS? "São caminhos diferentes. Eles tiveram a sorte de assinar com o selo do Nirvana e fechar uma turnê com o Diplo. A gente teve que juntar dinheiro pra viajar. É uma história completamente diferente", explicou o vocalista Daniel Peixoto antes de manter relações libidinosas com a caixa de retorno no palco.
O trio Patife Band (PR) apresentou seu punk rock experimental e rebuscado a um público que, em boa parte, era mais novo que a própria banda, formada em 1983. O grupo, no entanto, convenceu e deixou muita gente se perguntando como nunca tinha ouvido falar dele. Já de madrugada, o show mais aguardado da noite. O Vanguart, que acabava de lançar seu primeiro álbum na revista Outra Coisa, fez todos cantarem juntos hits do cenário independente como "Semáforo", que contou com uma invasão de vários outros músicos no palco. Nem mesmo os queridinhos da cena cuiabana escaparam do rigor da organização do festival. Assim que deu meia hora o som foi cortado. O vocalista Hélio Flanders chiou e ainda conseguiu mais uma música, prometendo um show completo com direito até a Raul na semana seguinte na Casa Fora do Eixo.
Vanguart > Semáforo
Por fim, os gaúchos da Tequila Baby, que sonham ser Ramones, fizeram sem dificuldade o público cantar canções como "Sexo, Algemas e Cinta-Liga" e "Tira o sutiã, tira a calcinha" e encerraram o Calango 2007 com a dobradinha "I wanna be sedated" e "Blitzkrieg Bop". Embora faltassem poucas horas para amanhecer a segunda-feira, a banda ainda ouviu um coro de bis do incansável público cuiabano.
Fotos: Leo Santiago / Manipulação: Marcelo Santiago
Agradecimentos à produção do Calango, que providenciou a credencial para que pudéssemos cobrir o festival.
Agradecimentos à produção do Calango, que providenciou a credencial para que pudéssemos cobrir o festival.