"Arte engajada, em Cuiabá, deixou de ser ´caminhando, cantando e seguindo a canção´ para ser ´caminhando, cantando e carregando caixa´. Arte engajada não é mais o que você escreve na sua letra, mas sim o que você faz". A frase de Pablo Capilé, uma das mentes por trás da movimentada cena independente de Cuiabá, reflete muito bem como as coisas funcionam na "Hell City" brasileira.
Enquanto em outros lugares as cenas geralmente nascem de modo natural e desorganizado, em Cuiabá a coisa é metodicamente pensada, planejada, articulada e executada do modo mais profissional possível, com todo mundo atuando de algum modo. E se o rock independente cuiabano hoje é conhecido em todo país, muito se deve ao Espaço Cubo, do qual Pablo é um dos fundadores. O trabalho desenvolvido pelo instituto vai desde formar tecnicamente músicos até auxiliá-los na hora de colocar o pé na estrada, passando por oferecer um palco para as apresentações e suporte para divulgação do trabalho.
Entre um "saca" e outro Pablo foi, aos poucos, nos ajudando (eu e Thiago Foresti - jornalista de SP) a enxergar o que é a cena cuiabana e a montar o quebra-cabeça que é o Espaço Cubo, com suas diversas frentes de trabalho atuando como múltiplos braços por todo cenário musical cuiabano.
Cenário pré-Cubo
Em meados da década de 1990, Cuiabá era dominada por bandas covers e quem se arriscava a desenvolver um trabalho autoral não encontrava palco para tocar. Daí a necessidade de trabalhar na formação de uma cena para que uma produção mais interessante surgisse na cidade. "Nos anos 90 teve um show dos Garotos Podres em Cuiabá e lá morreu um cara. Depois que rolou isso a resistência com relação ao movimento rock, underground e alternativo ficou maior e com o tempo o circuito de bar cover foi o que começou a predominar", explica Bruno Kayapy, guitarrista do Macaco Bong – talvez a melhor banda da cidade.
Sem palco não há cena
Com a realização da 1ª edição do festival Calango, em 2002, os produtores da cidade perceberam que não havia uma cena na cidade e que era necessário dar continuidade ao trabalho incentivando uma produção autoral e formando público. "A gente precisou trabalhar o processo de criação de uma cena e o Espaço Cubo veio num primeiro momento fomentando o trabalho autoral para a gente sair do circuito de bar. O segundo ponto foi fazer os eventos periódicos", diz Ynaiã Benthroldo, baterista do Macaco Bong.
Consolidado o Calango (que realiza sua 5ª edição nos dias 31/08, 01/09 e 02/09) e com a criação do Grito Rock (que se espalha por todo o país durante o carnaval) e da Semus (Semana da Música), o calendário de festivais em Cuiabá se fortaleceu incentivando os artistas locais e proporcionando intercâmbio com bandas de outros locais do país. Dentro dessa perspectiva, a criação da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes) contribuiu muito para articulação independente ao unir vários festivais em uma única associação. Hoje, a Abrafin conta com 22 festivais e acaba de receber uma verba de R$ 2 milhões do governo através de leis de incentivo. "Em Cuiabá, temos o Calango, o Grito Rock e a Semana da Música na Abrafin. Acho que Cuiabá é a cidade que mais têm festivais dentro da Abrafin", arrisca Pablo ao apontar os resultados do trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2002 pelo Espaço Cubo.
Com a criação do Circuito Fora do Eixo, em 2006, o cenário ganhou ainda mais gás criando uma articulação fora do eixo RJ-SP e permitindo o crescimento do cenário independente em regiões antes ignoradas pelos grandes centros como o Norte e o Centro-Oeste. "Como os cenários locais estão cada vez mais fortalecidos, as bandas podem funcionar localmente. Elas não precisam mais pensar na perspectiva de estourar nacionalmente. As bandas hoje já conseguem sobreviver no circuito Centro-Oeste – Norte", garante Pablo.
O Cubo é visto por Pablo como um projeto visionário que não trabalha para alcançar um objetivo, mas sim para avançar dentro de um conceito. Além disso, segundo ele, o Cubo trabalha com um esquema de códigos abertos, o que permite uma transformação constante do instituto. Para Bruno, "a partir do momento em que uma cena se forma ela tem obrigação de deixar de pensar como cena e passar a pensar no mercado. Ela tem que pensar cadeia produtiva, então isso já abre outro leque e leva as entidades a se aglutinarem e a começar a partir para um outro estágio".
Nova lógica
Pautado pela organização e pelo engajamento, o Espaço Cubo atua como uma empresa com núcleos responsáveis por cada área enquanto Pablo age como um gerente, cobrando de todos e garantindo que a máquina ande. Para ele, a criação do Cubo Card foi o principal fator que levou a cena cuiabana a movimentação que ela possui hoje. "O Cubo Card é um sistema de crédito que fez girar a cena toda. O cara começava a trabalhar como roadie e recebia um número x de crédito com os quais podia ensaiar, gravar, entrar de graça em shows, comprar cds.....".
O Cubo trabalha com a idéia de que a lógica hoje é outra e o que emperra a cena em outros locais, para Pablo, é a dificuldade de algumas bandas perceberem a mudança. "As grandes gravadoras já acabaram. Quando você sabe que algo daqui a cinco anos não vai funcionar mais é porque ela já morreu. Quem estourou depois da Pitty? Ela é a última e ponto! Acabou aquela lógica. Existem os que já estão no altar, mas o resto é cena independente. A lógica inverte porque ao invés de ter cinco na major, tem 200 rodando o país".
Outro problema detectado pelo Espaço Cubo são os vícios que imperam na maioria das cenas. De acordo com Pablo, como as cenas geralmente nascem com a música como fim, elas acabam ficando suscetíveis a vícios como o amor à causa, a atitude rock and roll, o sexo e drogas. "Esses elementos estão muito próximos do ambiente rock e quando esse ambiente se pauta nesses elementos ele se torna extremamente alienado. Essa coisa do cara estar fazendo por amor é balela".
Avesso ao regionalismo, Pablo acredita que não há mais espaço para isso na música atual. Ele defende a diversificação e ataca: "O rock gaúcho é um dos rocks mais atrasados do país, até por essa perspectiva de pensar ´rock gaúcho´. Não existe mais mangue-beat, existe respeito, mas é aquela coisa de querer jogar o tambor no lixo, porque o som agora é mundo. Acho que a lógica do som regional também está morta. Não dá mais para esperar que uma banda de Cuiabá tenha uma pegada regional. A identidade agora é mundial", arrisca.
Artista-pedreiro
Além de primar pela organização, dentro do Espaço Cubo não há espaço para estrelismo. A cena cuiabana pensa e age coletivamente, inserindo o máximo de pessoas possíveis no processo e exigindo o máximo de cada um. Na Casa Fora do Eixo (principal palco da cena independente), por exemplo, é comum ver Pablo na bilheteria, Ynaiã no caixa do bar e Bruno como rodie de bandas recém-criadas que estão ensaiando. "Uma das coisas que a gente matou em Cuiabá foi essa coisa de dom divino. Artista é igual pedreiro, se o cara não ralar ele não vai se qualificar. Não existe mais essa lógica, porque essa é a lógica do mito, a mesma da indústria cultural. Essa lógica vem pra conseguir vender em larga escala, porque pra isso ela tem que dizer que você é melhor que o outro, que você tem um dom diferente. Aí todo mundo te vê como iluminado e te compra. A gente matou isso aqui", diz, satisfeito.
Perguntado sobre o futuro, ele é curto e direto: "Daqui a 10 anos vão ter saído 50 bandas boas de Cuiabá", prevê.
Desvendando o Espaço Cubo
CALANGO - Festival independente que tem como objetivo desenvolver a cadeia produtiva da música em Mato Grosso (MT).
VOLUME (Voluntários da Música) - Organização criada com o objetivo de estimular a organização, qualificação e profissionalização da cena musical, oferecendo oficinas, workshops e palestras com músicos profissionais periodicamente. Realiza a Semana da Música (Semus).
CUBO MÁGICO - É a frente mercadológica do Espaço Cubo, formada pela junção dos núcleos de Comunicação, Discos, Eventos e Sonorização (ensaio + gravação). Tem como princípio produzir Cubo Cards e prestar serviços de assessoria ao mercado independente da cultura.
IMPRENSA ZINE - Tem como principio a elaboração de políticas públicas para a comunicação independente, com fins ao estímulo da formação, distribuição, produção e circulação dos agentes envolvidos nessa cadeia produtiva.
GRITO ROCK - Festival que busca fomentar e profissionalizar a cena independente durante o carnaval. Foi do Grito Rock que nasceu o Circuito Fora do Eixo.
CASA FORA DO EIXO - Casa de shows administrada pelo Espaço Cubo onde se apresentam os principais nomes da cena independente de todo o país, além de ceder espaço para bandas ensaiarem.
Enquanto em outros lugares as cenas geralmente nascem de modo natural e desorganizado, em Cuiabá a coisa é metodicamente pensada, planejada, articulada e executada do modo mais profissional possível, com todo mundo atuando de algum modo. E se o rock independente cuiabano hoje é conhecido em todo país, muito se deve ao Espaço Cubo, do qual Pablo é um dos fundadores. O trabalho desenvolvido pelo instituto vai desde formar tecnicamente músicos até auxiliá-los na hora de colocar o pé na estrada, passando por oferecer um palco para as apresentações e suporte para divulgação do trabalho.
Entre um "saca" e outro Pablo foi, aos poucos, nos ajudando (eu e Thiago Foresti - jornalista de SP) a enxergar o que é a cena cuiabana e a montar o quebra-cabeça que é o Espaço Cubo, com suas diversas frentes de trabalho atuando como múltiplos braços por todo cenário musical cuiabano.
Cenário pré-Cubo
Em meados da década de 1990, Cuiabá era dominada por bandas covers e quem se arriscava a desenvolver um trabalho autoral não encontrava palco para tocar. Daí a necessidade de trabalhar na formação de uma cena para que uma produção mais interessante surgisse na cidade. "Nos anos 90 teve um show dos Garotos Podres em Cuiabá e lá morreu um cara. Depois que rolou isso a resistência com relação ao movimento rock, underground e alternativo ficou maior e com o tempo o circuito de bar cover foi o que começou a predominar", explica Bruno Kayapy, guitarrista do Macaco Bong – talvez a melhor banda da cidade.
Sem palco não há cena
Com a realização da 1ª edição do festival Calango, em 2002, os produtores da cidade perceberam que não havia uma cena na cidade e que era necessário dar continuidade ao trabalho incentivando uma produção autoral e formando público. "A gente precisou trabalhar o processo de criação de uma cena e o Espaço Cubo veio num primeiro momento fomentando o trabalho autoral para a gente sair do circuito de bar. O segundo ponto foi fazer os eventos periódicos", diz Ynaiã Benthroldo, baterista do Macaco Bong.
Consolidado o Calango (que realiza sua 5ª edição nos dias 31/08, 01/09 e 02/09) e com a criação do Grito Rock (que se espalha por todo o país durante o carnaval) e da Semus (Semana da Música), o calendário de festivais em Cuiabá se fortaleceu incentivando os artistas locais e proporcionando intercâmbio com bandas de outros locais do país. Dentro dessa perspectiva, a criação da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes) contribuiu muito para articulação independente ao unir vários festivais em uma única associação. Hoje, a Abrafin conta com 22 festivais e acaba de receber uma verba de R$ 2 milhões do governo através de leis de incentivo. "Em Cuiabá, temos o Calango, o Grito Rock e a Semana da Música na Abrafin. Acho que Cuiabá é a cidade que mais têm festivais dentro da Abrafin", arrisca Pablo ao apontar os resultados do trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2002 pelo Espaço Cubo.
Com a criação do Circuito Fora do Eixo, em 2006, o cenário ganhou ainda mais gás criando uma articulação fora do eixo RJ-SP e permitindo o crescimento do cenário independente em regiões antes ignoradas pelos grandes centros como o Norte e o Centro-Oeste. "Como os cenários locais estão cada vez mais fortalecidos, as bandas podem funcionar localmente. Elas não precisam mais pensar na perspectiva de estourar nacionalmente. As bandas hoje já conseguem sobreviver no circuito Centro-Oeste – Norte", garante Pablo.
O Cubo é visto por Pablo como um projeto visionário que não trabalha para alcançar um objetivo, mas sim para avançar dentro de um conceito. Além disso, segundo ele, o Cubo trabalha com um esquema de códigos abertos, o que permite uma transformação constante do instituto. Para Bruno, "a partir do momento em que uma cena se forma ela tem obrigação de deixar de pensar como cena e passar a pensar no mercado. Ela tem que pensar cadeia produtiva, então isso já abre outro leque e leva as entidades a se aglutinarem e a começar a partir para um outro estágio".
Nova lógica
Pautado pela organização e pelo engajamento, o Espaço Cubo atua como uma empresa com núcleos responsáveis por cada área enquanto Pablo age como um gerente, cobrando de todos e garantindo que a máquina ande. Para ele, a criação do Cubo Card foi o principal fator que levou a cena cuiabana a movimentação que ela possui hoje. "O Cubo Card é um sistema de crédito que fez girar a cena toda. O cara começava a trabalhar como roadie e recebia um número x de crédito com os quais podia ensaiar, gravar, entrar de graça em shows, comprar cds.....".
O Cubo trabalha com a idéia de que a lógica hoje é outra e o que emperra a cena em outros locais, para Pablo, é a dificuldade de algumas bandas perceberem a mudança. "As grandes gravadoras já acabaram. Quando você sabe que algo daqui a cinco anos não vai funcionar mais é porque ela já morreu. Quem estourou depois da Pitty? Ela é a última e ponto! Acabou aquela lógica. Existem os que já estão no altar, mas o resto é cena independente. A lógica inverte porque ao invés de ter cinco na major, tem 200 rodando o país".
Outro problema detectado pelo Espaço Cubo são os vícios que imperam na maioria das cenas. De acordo com Pablo, como as cenas geralmente nascem com a música como fim, elas acabam ficando suscetíveis a vícios como o amor à causa, a atitude rock and roll, o sexo e drogas. "Esses elementos estão muito próximos do ambiente rock e quando esse ambiente se pauta nesses elementos ele se torna extremamente alienado. Essa coisa do cara estar fazendo por amor é balela".
Avesso ao regionalismo, Pablo acredita que não há mais espaço para isso na música atual. Ele defende a diversificação e ataca: "O rock gaúcho é um dos rocks mais atrasados do país, até por essa perspectiva de pensar ´rock gaúcho´. Não existe mais mangue-beat, existe respeito, mas é aquela coisa de querer jogar o tambor no lixo, porque o som agora é mundo. Acho que a lógica do som regional também está morta. Não dá mais para esperar que uma banda de Cuiabá tenha uma pegada regional. A identidade agora é mundial", arrisca.
Artista-pedreiro
Além de primar pela organização, dentro do Espaço Cubo não há espaço para estrelismo. A cena cuiabana pensa e age coletivamente, inserindo o máximo de pessoas possíveis no processo e exigindo o máximo de cada um. Na Casa Fora do Eixo (principal palco da cena independente), por exemplo, é comum ver Pablo na bilheteria, Ynaiã no caixa do bar e Bruno como rodie de bandas recém-criadas que estão ensaiando. "Uma das coisas que a gente matou em Cuiabá foi essa coisa de dom divino. Artista é igual pedreiro, se o cara não ralar ele não vai se qualificar. Não existe mais essa lógica, porque essa é a lógica do mito, a mesma da indústria cultural. Essa lógica vem pra conseguir vender em larga escala, porque pra isso ela tem que dizer que você é melhor que o outro, que você tem um dom diferente. Aí todo mundo te vê como iluminado e te compra. A gente matou isso aqui", diz, satisfeito.
Perguntado sobre o futuro, ele é curto e direto: "Daqui a 10 anos vão ter saído 50 bandas boas de Cuiabá", prevê.
Desvendando o Espaço Cubo
CALANGO - Festival independente que tem como objetivo desenvolver a cadeia produtiva da música em Mato Grosso (MT).
VOLUME (Voluntários da Música) - Organização criada com o objetivo de estimular a organização, qualificação e profissionalização da cena musical, oferecendo oficinas, workshops e palestras com músicos profissionais periodicamente. Realiza a Semana da Música (Semus).
CUBO MÁGICO - É a frente mercadológica do Espaço Cubo, formada pela junção dos núcleos de Comunicação, Discos, Eventos e Sonorização (ensaio + gravação). Tem como princípio produzir Cubo Cards e prestar serviços de assessoria ao mercado independente da cultura.
IMPRENSA ZINE - Tem como principio a elaboração de políticas públicas para a comunicação independente, com fins ao estímulo da formação, distribuição, produção e circulação dos agentes envolvidos nessa cadeia produtiva.
GRITO ROCK - Festival que busca fomentar e profissionalizar a cena independente durante o carnaval. Foi do Grito Rock que nasceu o Circuito Fora do Eixo.
CASA FORA DO EIXO - Casa de shows administrada pelo Espaço Cubo onde se apresentam os principais nomes da cena independente de todo o país, além de ceder espaço para bandas ensaiarem.