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1 de setembro de 2017

Fuji Rock 2017 e mais alguns rolês no Japão

O Fuji Rock é um festival de grandes distâncias em todos os sentidos. Do Brasil, são no mínimo 24 horas de viagem de São Paulo a Tóquio, embora a maioria dos voos leve entre 28 e 30 horas. Chegando em Tóquio, são necessárias mais duas horas de trem-bala para se chegar a Echigoyuzama, no noroeste do país. Lá, o festival oferece um ônibus por cerca de $5 para se chegar até a estação de ski, no meio da floresta, onde o festival é realizado (mais 50 minutos de transporte). O local é uma espécie de parque florestal gigante, no qual um campo de golfe é utilizado como área de camping e são montados mais de 10 palcos, sendo que os principais shows estão concentrados em quatro deles. Somente no principal, o Green Stage, a capacidade é de cerca de 50 mil pessoas, segundo a produção do festival. Da entrada do parque até o palco mais distante, Field of Heaven (também apelidado por alguns como "hippie stage"), são 30 minutos de caminhada. Tudo isso em pleno verão japonês, com picos de 35º.

Tanto esforço é justificado pelo line-up e pela experiência proporcionada pelo Fuji Rock. Este ano a programação teve Gorillaz, Björk, Aphex Twin, Queens of the Stone Age, LCD Soundsystem, Lorde, The XX, Major Lazer, Death Grips, Slowdive, Bonobo, Thundercat, Father John Misty, The Avalanches, Rhye, entre vários outros nomes. Sem contar os muitos artistas japoneses da programação, como o veterano Cornelius, o trio de jazz moderno Mouse on the Keys e o pop bizarro da Suiyoubino Campanella. Além disso, é um evento com uma lógica um pouco diferente da que estamos acostumados. Você pode entrar com comidas e bebidas à vontade e é comum os japoneses levarem carrinhos cheios de suprimentos. A grande presença de idosos e crianças também surpreende.


Todos os anos chove durante o festival e o figurino padrão é composto de galochas, capas de chuvas e chapéus de pescador. É proibido fumar na maior parte da área do evento (sim, um grande parque ao ar livre onde não se pode fumar), as lixeiras são espalhadas em pontos estratégicos e têm assistentes para indicar ao público como o separar corretamente para reciclagem e, como a maratona de shows é longa (as primeiras atrações começam às 9h da manhã e as últimas terminam às 6h do dia seguinte), os japoneses andam de um lado para o outro carregando cadeirinhas desmontáveis. As áreas mais distantes, em frente a cada palco, são sempre ocupadas por centenas (às vezes milhares) de pessoas com suas cadeirinhas montadas sobre a grama (ou lama).

A grande maioria do público é de orientais. No primeiro dia, Father John Misty brincou que os poucos gritos que ouvia eram com sotaque americano e pediu desculpas por seus conterrâneos não conseguirem assistir um show em silêncio. Show bonito e calmo, que começou com as quatro primeiras faixas de Pure Comedy na mesma sequência que no disco e que teve como ponto alto a sequência com "Hollywood Forever Cemetery Sings" e "I Love You, Honeybear".

Caminho para o palco Field of Heaven

Com a distância entre os palcos, foi preciso correr antes do fim do show pra pegar o The XX no início. Abriram com "Intro" e "Crystalised" e ali já ficava claro que aquele seria um dos shows mais legais do festival. Um pouco depois, em outro palco, começaria o Queens of the Stone Age, prestes a lançar disco novo. Com Josh Homme mancando, fizeram um show repleto dos hits da banda (como "I Sat by the Ocean", "No One Knows", "Little Sister", "Go With the Flow") e tocaram somente uma nova, "The Way You Used to Do". Durante outro hit, "Feel Good Hit of the Summer", Josh ainda tirou onda emendando um trecho de "Clint Eastwood", do Gorillaz, que começava seu show no palco principal. Era o primeiro show da banda de Damon Albarn no Japão desde 2001 e um dos mais aguardados do Fuji Rock. As participações especiais do disco novo foram substituídas por projeções sincronizadas dos vocalistas convidados nos telões (de resolução incrível, vale dizer). Deu pra pegar a sequência de "DARE", "We Got the Power", "Stylo", "Kids With Guns" e "Clint Eastwood". Som incrível e público feliz, apesar da chuva que caía de hora em hora. Madrugada adentro ainda rolariam muitos shows, entre eles DJs mais experimentais como Clark, Arca e o ótimo trio japonês Mouse on the Keys, de dois pianos e bateria.

Sábado foi o dia mais lotado do festival. Tanto que o acesso ao palco onde o LCD Soundsystem tocava foi impedido em certo momento, tamanha a quantidade de pessoas na área. Simultaneamente à banda de James Murphy, o Aphex Twin fez um show caótico e incrível no palco principal, durante a chuva mais forte do fim de semana. Um set de uma hora e meia que começou no tecno mais “acessível” e terminou na melhor barulheira glitch (meu show favorito do Fuji Rock). Outro show que impressionou foi o Death Grips. Pesado e denso, como era de se esperar, e muito cheio. Funcionaria melhor se fosse de noite dentro do galpão do palco Red Marquee e não durante a tarde, ao ar livre, mas mesmo sem a atmosfera ideal as pessoas não pareceram se importar. Ao longo do dia, decidi circular mais pelo festival e espiar os artistas japoneses e djs em pequenos palcos (como uma tenda com alguns DJs figuraças, mais velhos, na qual cabia menos de 100 pessoas). Conferi um pouco mais dos shows do Cornelius (cada música parece um show diferente) e Temples (pop psicodélico asséptico e genérico) e também teve Avalanches, Nina Kraviz, Mondo Grosso e Ramona Flowers (dos que estavam na minha lista "a conferir").



Do domingo, meus favoritos foram Björk, Suiyōubi no Campanella, Bonobo e Slowdive. Björk fez o show de encerramento do Fuji Rock acompanhada do Arca como DJ e uma orquestra. Com projeções enormes e mais climático (em grande parte pelos arranjos da orquestra), foi um show baseado no disco mais recente da cantora, Vulnicura (1/3 do set foi dele),  que empolgou efetivamente as massas cansadas de três dias seguidos de shows e caminhadas quando vieram hits como "Jóga", "Hyperballad" e "Bachelorette". Simultaneamente, Thundercat tocava no distante "hippie stage" e o Major Lazer fechava o White Stage (não vi nada desses shows). Logo após o show da Björk, principal atração do dia, grande parte do público começou a ir embora e, entre as muitas atrações que durariam madrugada adentro, a que parecia atrair mais gente era a Suiyōubi no Campanella (às vezes grafado como Wednesday Campanella). Apesar de ser um trio, a vocalista KOM_I se apresenta completamente sozinha no palco, sem DJs ou dançarinos. Defini-la como uma "Bjórk do J-pop" é reducionista, mas não chega a ser uma mentira, apesar de ficar longe de abranger sua sonoridade (que mistura muito rap, diversos subgêneros da eletrônica, música tradicional japonesa e pop eletrônico ocidental, às vezes tudo isso na mesma música).

Mais cedo, conferi brevemente enquanto Lorde lotava o palco principal durante uma versão minimalista do mega hit "Royals" (e bastante sonolenta, diga-se). Quase tão chato quando o show do indie superestimado Real Estate. Se deu muito melhor quem se programou pra ver os shows do Trombone Shorty & Orleans Avenue (dos mais animados do festival), a pedrada depressiva do Slowdive e a estreia do Bonobo acompanhado de banda no Japão. Enquanto o Jet tocava, mais divertido era assistir a versão japonesa do John Cusack discotecar jazz latino ou rodar pelo festival (em uma das tendas de roupas diferentonas, um casal já mais velho me explicou que tinham aprendido algumas coisas em português com um brasileiro professor de capoeira: "chapado de maconha" e "obrigado" era tudo que sabiam dizer).

Aproveitando o fato de que muitas pessoas que foram ao festival precisam passar por Tóquio em seus caminhos de volta (por causa das linhas de trem), é comum ver grandes shows na cidade logo na sequência. Este ano, foi o caso do Sigur Rós, que fez dois shows na cidade nos dias seguintes ao término do Fuji Rock. Dois dias depois, foi a vez dos japoneses do Toe e D.A.N esgotarem os ingressos pra festa de aniversário do Liquidroom. Espaço com capacidade pra mil pessoas, o Liquidroom recebe nomes mundiais em ascensão e bandas de médio porte em suas turnês japonesas. Bandas que são enormes hoje em dia tocaram lá quando começaram a despontar no cenário musical: Beck e Blur (1994), Radiohead (1995), Foo Fighters (1998, que nessa época já era uma banda relativamente grande mas antes de explodir mundialmente com o There is Nothing Left to Lose, de 1999), Coldplay (2002) e outros (puxando pro nosso lado, o Cansei de Ser Sexy tocou lá em 2008). Som e luz são incríveis, a área da plateia tem uma inclinação que permite que você veja facilmente o palco de qualquer ponto e no andar superior (sem acesso ao show) há um café e um grande lounge. Fomos convidados pelos caras do Toe pra assistir a esses shows e isso resultou em uma cena que demonstra a educação dos japoneses: a plateia fica em pé, mas a banda colocou duas cadeiras reservadas pra gente perto da mesa de som, no meio do público. Mesmo com a casa lotada, ingressos esgotados, ninguém se sentou ali e quando informamos que estavam reservados pra nós, ninguém questionou. Outro ponto bastante diferente é que fotos são proibidas nos shows (isso se repete na maioria dos locais maiores em que vi shows no Japão), por uma questão de educação: para evitar que os celulares levantados tampem a visão de quem está atrás querendo ver o palco.

O D.A.N tem apenas três anos de existência e tem crescido bastante no Japão. Originalmente um trio mas um quarteto ao vivo e em algumas gravações, é uma banda de rock alternativo dançante influenciada por math rock. Lembra Foals, mas com composições mais complexas. Show bastante fiel aos discos e que encaixou perfeitamente como abertura para o Toe. Banda de math/post-rck mais conhecida do Japão, fizeram um show irrepreensível. Muito mais enérgico e pesado ao vivo do que em disco, é um show de muita dinâmica e variações, com o acréscimo de um quinto integrante em algumas músicas. Repertório bem dividido, com três músicas de cada disco, exceto do Songs, Ideas, We Forgot, do qual não tocaram nada. O set teve "Goodbye", "After image" e "Esoteric" do For Long Tomorrow, "C" e "Past and language" do The Book About My Idle Plot On A Vague Anxiety, "Run for word" e The Future is now" do EP The Future is Now, "My little wish", "Song silly" e "Because I hear you" do Hear You e "1/21", do EP New Sentimentality. Facilmente, um dos melhores shows que já vi.



Na mesma semana o Guitar Wolf, outro ícone do rock underground japonês, tocou no festival Meteo Night, junto de mais de 10 bandas. A brasileira Carla Boregas, baixista do internacional Rakta, também se apresentou na cidade no período, em um evento de música eletrônica experimental. Na semana seguinte, outro festival reuniria "apenas" Mogwai, St Vincent, Cigarettes After Sex, Ride, Beak>> (dos melhores shows que vi ano passado) e Blanck Mass (projeto de um dos caras do Fuck Buttons). Apesar da grande oferta de atrações e da qualidade dos espaços de shows (até os lugares mais improvisados e pequenos têm equipamentos de som e luz sensacionais), o bolso também pesa. O ingresso pra cada dia de Fuji Rock custava o equivalente a R$ 600 e a média de ingresso pros shows alternativos variava (nesse período) entre  R$ 70 e R$ 100.

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