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4 de maio de 2016

Unknown Pleasures, uma banda por dentro

Para além das histórias de superação, perseverança e sobre "seguir os sonhos", todas comuns às biografias de personalidades, Unknown Pleasures é marcado por uma desmitificação de Ian Curtis e pelas diferentes limitações que definiram a história do Joy Division. Escrito por Peter Hook, baixista e um dos fundadores da banda, e lançado originalmente em 2012, o livro foi lançado no Brasil em 2015 com o título Joy Division: Unknown Pleasures - a biografia definitiva da cult band mais influente de todos os tempos. É a história do Joy Division, mas também a primeira parte de uma biografia do próprio Hook que, apesar de alguns saltos temporais, cobre de sua infância ao fim da banda e o lançamento do álbum póstumo Still, em outubro de 1981, um ano e cinco meses após o suicídio do vocalista Ian Curtis.

A energia em estado bruto de um show do Sex Pistols em 1976 foi o estopim para o surgimento da banda. Não era necessário técnica ou muitos equipamentos. Aquilo era o básico, não apenas em termos musicais, mas também de uma forma física. No contexto de surgimento do punk, as limitações técnicas e tecnológicas aproximavam os jovens do movimento, outrora distanciados do virtuosismo do rock clássico e progressivo. "Eu poderia fazer isso", Hook escreve sobre seus pensamentos ao ver os Pistols.
"Lembro-me de me sentir como se tivesse passado toda a minha vida em um quarto na penumbra - confortável e aquecido e seguro e silencioso -, e então de repente alguém deu um chute na porta e ela se escancarou para deixar entrar uma luz brilhante e intensa, aquele ruído ainda mais intenso, mostrando-me outro mundo, outra vida, uma saída".
Musicalmente, foi um show horrível, mas importante para mostrar o potencial do que pessoas "normais" poderiam fazer. Entre as cerca de 50 pessoas que assistiram ao show estavam Morrissey (você sabe de qual banda) e Mark E. Smith, que em seguida formaria o The Fall.

Bernard Sumner, amigo de escola de Hook, havia ganhado de seus pais uma guitarra no Natal anterior, o que o tornaria o guitarrista da banda recém-criada. Hook foi para o baixo e outra limitação definiria parte de estética musical do Joy Division: seu amplificador era ruim e estalava quando ele tocava notas mais graves. Sem dinheiro para um equipamento melhor, foi obrigado a tocar e compor usando mais notas altas, mais agudas. Seus notórios riffs, que às vezes se assemelham mais aos sons de uma guitarra, começaram a surgir por esse motivo.

Esses são apenas alguns exemplos dos relatos de Hook que fluem como se estivéssemos em uma conversa guiada por alguém com uma memória excelente (aparentemente ele mantinha um diário na época, a julgar pelo detalhamento nas descrições de fatos ocorridos 30 anos antes). Ele recria um contexto social e musical bastante diferente do que estamos acostumados (uma época em que gravar, prensar e distribuir discos era muito caro e que, para tocar, as bandas underground precisavam levar todo o equipamento do show, de amplificadores ao PA - as caixas de som direcionadas ao público) e mostra como o acaso também influiu de forma crucial nos caminhos da banda:
- Hook passou parte da infância na Jamaica e só voltou com a família para a Inglaterra porque sua mãe suspeitava que o marido a estava traindo por lá;
- inicialmente chamada Warsaw, a banda mudou de nome para Joy Division porque não estava conseguindo marcar shows porque os contratantes a confundiam com uma banda punk chamada Warsaw Pakt (que teve vida curta);
- Stephen Morris viu dois anúncios de grupos procurando bateristas. Um era do The Fall, o outro, do Warsaw/Joy Division. Ligou para o Warsaw porque era uma ligação local, o outro número de telefone era interurbano.

As super organizadas linhas do tempo e o faixa-a-faixa de cada disco são deleites adicionais para quem é fã. Hook comenta os processos de composição e gravação do Joy Division, expressa seu pesar pela certa insensibilidade dos integrantes da banda em relação a Ian (não sabiam muito de sua vida pessoal e pelo que o afligia emocionalmente, levando-o a suicidar-se aos 23 anos, dias antes de partirem para a primeira turnê pelos Estados Unidos) e reforça o idealismo da banda e do selo Factory em não tratar a música simplesmente como um produto (o que, inevitavelmente, acabava por limitar o potencial de difusão deles). Não queriam entrar no sistema das grandes distribuidoras e por isso seus singles não chegavam em muitas rádios; não faziam produtos de merchandising da banda porque o negócio deles era música, não camisetas. Acabaram sendo multados por isso: anos mais tarde, após o estouro da banda, pós-suicídio de Ian Curtis, o governo inglês percebeu que eles não estavam declarando os ganhos com a venda de camisas e os multou em £20.000. "Fomos a única banda multada por não fazer as próprias camisetas", ri.
 

Acima, documentário Joy Division, lançado em 2007.

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