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16 de abril de 2014

Ah, o conhecimento acadêmico: uma análise sobre como indies e sertanejos usam xadrez no Instagram (sério)

Meu lado Poliana me leva a tentar ver o lado positivo das coisas e extrair algo relevante ou construtivo de cada experiência vivida. Às vezes é difícil. Como quando você se depara com um artigo acadêmico intitulado "Indie ou Sertanejo? Apropriações de dois gêneros musicais através do elemento xadrez no aplicativo Instagram" (escrito pela doutora em comunicação pela PUCRS Adriana Amaral e a então graduanda em jornalismo na Unisinos Camila Kehl, em maio de 2013). O mais fácil seria compartilhar nas redes sociais com algum comentário jocoso e depois ignorá-lo. Mas e se ali, onde você menos espera e despreza à primeira vista, estiver uma sacada genial ou algo que te faça pensar de modo diferente sobre determinado assunto?

Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico, a meu ver, é que ele se limita muito à própria academia. A maioria dos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado ou teses de doutorado são lidos por quem os escreve e um seleto grupo de professores e ponto final. O acesso a eles é difícil e alguns sequer serão fonte de pesquisa para outros estudantes. Sem considerar, claro, as pesquisas realizadas claramente apenas para se obter um grau de escolaridade e que representam contribuições irrelevantes às suas áreas de estudo.



Nesse sentido, é interessante quando a produção acadêmica tenta aproximar a teoria a elementos do cotidiano. O que inicialmente se apresenta como um tema fútil, no caso do artigo em questão, serve como uma introdução para se analisar outros elementos dos subgrupos constituídos em torno de determinados gêneros musicais através de uma perspectiva direcionada para a semiótica e a antropologia. Por mais raso que seja o artigo (e, afinal, são apenas 16 páginas de texto) ele pode servir como pontapé para se aprofundar em outras abordagens do tema (como direcionar o leitor, como eu, a buscar mais informações em livros como Psicologia do Vestir, do Umberto Eco, ou O Sistema da Moda, do Roland Barthes).

A experiência de Kehl e Amaral pode não ter resultado em um artigo dos mais instigantes, mas indica um caminho que talvez fosse benéfico tanto para a sociedade como um todo como para as próprias instituições de ensino superior. E para que cada um tire suas próprias conclusões, segue abaixo parte da conclusão publicada pelas autoras.

No que diz respeito à análise feita das manifestações no aplicativo Instagram, percebeu-se que apesar da estampa xadrez ser um elemento comum tanto nas indumentárias de indies quanto nas de admiradores de sertanejo universitário, a forma de demonstrar essas expressões acontece com performatizações e estratégias de visibilidade distintas, como por exemplo os tipos de acessórios e a visibilidade ou não dos rostos; fotos coletivas ou individuais, entre outros. A partir da observação empírica inicial dessas manifestações no aplicativo, a intenção foi realizar um primeiro de delineamento a partir das características observadas na amostra. 
Cabe então apontar a importância do elemento extra-musical xadrez como forma de expressão de identidade e das gramáticas dos gêneros musicais e da construção de capital subcultural, uma maneira de demonstrar pertencimento a certo grupo, seja através da roupa ou de alguma parte da indumentária. Para Umberto Eco: 
A linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal, não serve apenas para transmitir certos significados, mediante certas formas significativas. Serve também para identificar posições ideológicas, segundo os significados transmitidos e as formas significativas que foram escolhidas para transmitir (1982, p.17)
Percebe-se que o xadrez, apesar de ser um elemento comum entre os dois grupos, apresenta significados diferente por partes dos fãs/admiradores deles. Para os indies, a roupa tem um significado estético, ligado também à moda, mas sempre vinculado a atitude roqueira, com um resquício de viés ideológico. Por isso o modo mais artístico das manifestações dos indies no Instagram ou até mesmo a conduta do anonimato nas imagens. O que está em jogo é mais um discurso de autenticidade ou autonomia artística (VLADI, 2011), uma ideia em consonância com a proposta do próprio estilo musical indie rock: um contraponto ao mainstream e ao mercado dos produtos culturais massivos, uma transgressão das posturas pré-estabelecidas, mesmo que a própria moda do xadrez já esteja cooptado por esse próprio mainstream. 
Já as características observadas nas manifestações dos admiradores de sertanejo universitário denotam uma participação menos engajada no sentido ideológico, já que esses atores sociais entendem que o estilo musical apresenta uma visão mercadológica, associada às grandes gravadoras e ao mainstream. Os fãs de sertanejo universitário demonstram preocupação menor com a questão da sua própria visibilidade (vide o destaque que dão para a identificação dos seus rostos ou as fotos acompanhados/em grupos) e gostam de evidenciar sua preferência musical através das hashtags que identificam o estilo musical.
Assim percebe-se que os gêneros musicais indie rock e sertanejo universitário são apropriados através do elemento xadrez na construção de suas identidades de formas distintas, seja com a intenção de manifestar suas preferências musicais ou suas posições ideológicas, seja para demarcar de forma pública essas preferências. Apesar de o elemento xadrez estabelecer uma ligação de igualdade à primeira vista entre os dois gêneros musicais, que inclusive incita a pergunta sarcástica de “Indie ou Sertanejo?”, que, em uma análise exploratória estabelece inicialmente as diferenças e relações entre as manifestações e regras dos gêneros musicais e seu consumo.

Observação: a revista Temática, do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, onde o texto acima se encontra disponível para download, também possui um artigo que segue a mesma linha aparentemente fútil na escolha do objeto, intitulado "Transposições midiáticas a partir da comunicação d’Os Trapalhões".

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