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6 de setembro de 2010

O que é o Circuito Fora do Eixo?

Enquanto finalizo o artigo final da minha pós-graduação, no qual abordo o uso de ferramentas gratuitas de produção colaborativa na internet aplicadas à produção cultural, percebi que muitas pessoas conhecem apenas superficialmente o Circuito Fora do Eixo (objeto de minha análise). Pensando nisso, considerei válido publicar aqui no Meio Desligado a "Carta de princípios do Circuito Fora do Eixo", documento fundamental que esclarece a proposta da instituição.

O texto é um pouco longo e marcado por jargões pouco funcionais, mas sintetiza o que os membros do Fora do Eixo vem buscando nos últimos anos. Leitura fundamental para todos os interessados, curiosos e (ainda mais) para os críticos que muitas vezes sequer sabem sobre o que estão reclamando.

Preâmbulo
Os representantes dos coletivos de cultura que integram a rede do Circuito Fora do Eixo, reunidos em plenária no II Congresso Fora do Eixo, ocorrido entre os dias 22 e 26 de setembro de 2009, em Rio Branco-ACRE, resolvem estabelecer e aprovar a seguinte Carta de Princípios, que regerão o Circuito Fora do Eixo, a ser respeitada por todos que queiram participar desse processo, a saber:

1. O Circuito Fora do Eixo é uma rede colaborativa e descentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura espalhados pelo Brasil, pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e do cooperativismo, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes sociais, do respeito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais, do empoderamento dos sujeitos e alcance da autonomia quanto às formas de gestão e participação em processos sócio-culturais, do estímulo à autoralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pautada no uso de tecnologias sociais.

2. São ainda valores do Circuito Fora do Eixo a substituição da noção de interesse pela de valores no cotidiano do trabalho dos artistas, produtores e bandas, a substituição do foco nos produtos pelo foco nos processos, a substituição da racionalidade instrumental pela racionalidade comunicativa (dialógica) nas relações de trabalho e produção artístico-cultural e substituição dos  valores de individualismo pelos valores de associativismo / cooperativismo.

3. Constituem-se em pilares e eixos de atuação do Circuito Fora do Eixo o conjunto de estratégias de sustentabilidade, de circulação, de comunicação e de emprego de tecnologias de sonorização, palco e iluminação. 

4. As ferramentas desenvolvidas a fim de dar consecução a cada um dos pilares de atuação do Circuito Fora do Eixo devem ser desenvolvidas de forma integrada, orgânica, transversal, interdependente e interpenetrante, de modo a constituir o chamado Sistema Fora do Eixo de Música e Cultura Independente, que tende a suplantar a lógica do modelo ainda predominante da indústria fonográfica (as majors e seu modus operandi contratual) pela lógica do “mercado médio” cultural, pautado pelos princípios da economia solidária aplicados às cadeias produtivas da economia da cultura, em especial, da música independente.
5. O Circuito Fora do Eixo é composto por Coletivos Locais de cada cidade ou município onde exista um núcleo ou célula de produção cultural independente, denominados de “Pontos Fora do Eixo”, cuja adesão do indivíduo no coletivo é livre, espontânea, esclarecida e consciente. Tais coletivos articulam-se em circuitos estaduais e regionais de produção, circulação e comunicação, que se fazem representar por um Conselho Regional, capilarizando e vascularizando, assim, os preceitos e projetos do Circuito como um todo.
 
6. O Sistema Fora do Eixo da Música e da Cultura Independente sintetiza o modus operandi de atuação do Circuito Fora do Eixo. É integrado por entidades as quais, com suas estruturas de funcionamento, estabelecem um fluxo de atuação integrado e sistêmico em prol do fortalecimento da cadeia produtiva da música e da cultura independente no nosso país.

7. Para dar vazão a cada um dos pilares de atuação do Circuito Fora do Eixo, diversos projetos são desenvolvidos como ferramentas para concretizar aqueles que são os objetivos do CFE, sendo os principais o Grito Rock América do Sul, o Portal Fora do Eixo, o Compacto.REC, o Toque no Brasil, o Festival Fora do Eixo, a Agência Fora do Eixo, a Fora do Eixo Discos, o Fora do Eixo Card, o Congresso Fora do Eixo, Observatório Fora do Eixo, Fora do Eixo Tec, dentre outros.

8. Além dos princípios e valores acima enunciados, os participantes do II Congresso Fora do Eixo também convencinam quanto à adoção das seguintes diretrizes e premissas, elencadas conforme os enunciados abaixo relacionados:

8.1 - Intercâmbio, transversalidade e delegação
a) Formular e colaborar com o desenvolvimento de políticas públicas para a cultura, promovendo a atuação política com identidade representativa do CFE;
b) Estimular as redes sociais municipais, estaduais e regionais com vistas a valorizar as parcerias com outros grupos afins;

c) Integrar e estabelecer uma relação compartilhada com grupos parceiros de princípios semelhantes, redes e movimentos sociais;

d) Incentivar o debate e a formação de fóruns representativos no campo da cultura e afins;
e) Promover o intercâmbio entre os coletivos da rede e com os grupos afins, fomentando a transversalidade das ações do CFE, dos parceiros e das políticas públicas em geral;


8.2-
Identidade, Diversidade e Autonomia 

a) Questionar e enfrentar as práticas hegemônicas dos modos de produção, circulação e fruição com ênfase no campo da cultura;
b) Respeitar as diferenças e diversidades de condições étnicas, religiosas, culturais, linguísticas, estéticas, etárias, físicas, mentais, de gênero, de orientação sexual e outras;
c) Estimular, difundir e integrar a diversidade das expressões sócio-culturais e artísticas, garantindo espaços de valorização e de respeito a essa diversidade;
d) Promover o empoderamento dos indivíduos e coletivos dentro dos princípios da economia solidária;
e) Fomentar a produção criativa, autoral, independente do mercado vigente e interdependente entre os grupos afins;
f) Valorização social do trabalho humano na perspectiva da igualdade de condições e da polivalência individual e coletiva;
g) Equilibrar a relação entre o trabalho manual e o intelectual com vistas a valorização equânime de ambas as práticas;

8.3 - Gestão e Sustentabilidade
a) Fomentar a criação de moedas sociais nos coletivos da rede; 
b) Viabilizar a formação, produção, circulação e fruição, fomentando as trocas de serviços e produtos entre os coletivos, seus membros e parceiros;
c) Orientar as ações para satisfação das necessidades individuais e coletivas de maneira equânime, justa e solidária;
d) Adotar os critérios de territorialidade no estabelecimento das políticas do CFE;
e) Fomentar o desenvolvimento da cadeia produtiva da cultura, promovendo alternativas de sustentabilidade pautadas no uso de tecnologias sociais e em uma perspectiva solidária;
f) Fomentar a renovação de frentes de atuaçã, agentes e tecnologias, fomentando a criação experimental em todo  os processos e produtos associados à atividade do CFE;
g) Promover a democratização e universalização do acesso aos bens e serviços culturais;

 h) Estimular ações considerando o impacto ambiental e impulsionar as práticas de preservação, incentivando a utilização sustentável dos recursos renováveis;

8.4
-
Inovação e Comunicação
a) Estimular a criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias livres, sociais e de código aberto referente ao direito autoral e propriedade intelectual, fomentando o uso de plataformas criadas pelos coletivos  e parceiros;
b) Garantir a difusão, o compartilhamento e o livre acesso às tecnologias do Circuito Fora do Eixo bem como outros conhecimentos livres;
c) Valorizar a troca contínua, colaborativa e a atualização de informações entre os coletivos da rede;
d) Estimular as práticas de comunicação livre bem como parcerias com veículos de informação públicos, comunitários, independentes e outros, que não estejam ligados a grandes grupos ou conglomerados do setor;

8.5 -
Formação e Conscientização
 
a) Estimular a formação e a resignificação contínua do processo, dos coletivos e seus membros, atingindo os agentes internos e externos;
b) Criar ferramentas de formação e qualificação dos agentes, promovendo a multiplicação do processo e do conhecimento cooperativo, solidário e coletivo;
c) Estimular a consciência e a clareza do processo nos indivíduos e coletivos da rede, promovendo a formação crítica dos agentes e do público;
d) Estar sempre alerta;
e) Estimular a disciplina e a liberdade;
f) Estimular a autocrítica, a humildade, a honestidade e o respeito nas relações sociais e ambientais;
g) Valorizar a essência do ser humano ao invés da posse;
h) Criar lastro através do trabalho gerando o equilíbrio entre o discurso e a prática;
i) Garantir a competência técnica dos setores produtivos no desenvolvimento de ações

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