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17 de outubro de 2009

Downloads, fundamentalismo tecnológico e o futuro da música



Ao contrário do que diz no vídeo acima, Fred Zero Quatro não já não é mais tão entusiasta da tecnologia. Há 25 anos à frente do Mundo Livre S/A, banda fundamental da música contemporânea brasileira, Zero Quatro recentemente críticou pesadamente a função da internet na cadeia produtiva da música. Concordem ou não com suas colocações, ele toca em um ponto crucial para o desenvolvimento do setor musical na era digital: o questionamento dos atuais modelos de gestão de conteúdo intelectual na internet.

De sua entrevista ao Link, do Estadão:
"Acho que (a troca de arquivos na rede) é a polêmica mais importante do momento histórico atual, e infelizmente parece que ainda não tem despertado muito interesse no meio intelectual brasileiro. Muitos escritores americanos e europeus têm publicado ensaios importantes, levantando questões urgentes, mas aqui há uma espécie de vazio a respeito. Tenho me sentido como se tivéssemos regredido ao estágio tribal, e estivéssemos todos deslumbrados com os novos apetrechos mágicos (espelhos? pólvora? bússolas?) que o homem branco tem despejado nas vitrines dos nossos shopping centers. Não questionamos nada.

No meu tempo de faculdade (Fred é jornalista), McLuhan, Umberto Eco, Baudrillard e outros chacoalhavam as mentes jovens do planeta com reflexões essenciais sobre a aldeia global, a cultura de massa, a sociedade de consumo, etc. Hoje o ambiente urbano parece mergulhado numa espécie de fundamentalismo, um culto deslumbrado a qualquer tipo de avanço tecnológico".

Em entrevista ao portal G1, Zero Quatro criticou o que chama de "fundamentalismo tecnológico" e a não-remuneração em troca de conteúdo artístico. Se no primeiro caso sua analogia em relação ao YouTube ("mera tecnologia") é simplesmente tola, o segundo ponto leva a reflexão sobre novos modelos possíveis de geração de renda com a produção intelectual nos meios digitais. Embora o conteúdo gratuito seja uma opção (sustentável a longo prazo?), é necessário explorar as possibilidades permitidas pelo ambiente digital, o que na maior parte do tempo dá lugar a um entusiasmo coletivo em vez de um pensamento crítico sobre o assunto.

Formas abertas de remuneração podem ser uma opção, assim como o pagamento de menores quantias em troca do acesso à produção artística digitalizada. Se houvesse a opção de pagar R$ 0,05 pelo download de cada música, por exemplo, seria um modo de democratizar o acesso ao mesmo tempo que remunera o artista por sua criação. Os tempos e as tecnologias mudaram, assim como as relações comerciais tendem a se transformar.

O problema na fala de Zero Quatro ao supor que conteúdo gratuito é para amadores é esquecer que a gratuidade é mais uma estratégia dentro de uma relação comercial maior, não um fim em si mesma. É um meio para se atingir mais pessoas, tornar suas obras mais conhecidas e com isso obter novos rendimentos, como, por exemplo, através de shows. Não tenho nenhum CD físico do Mundo Livre S/A e não pretendo comprá-los, apesar de gostar bastante da banda. Mesmo assim, conheço todos os seus álbuns graças à internet e já fui a uns 5 shows da banda, somando algo em torno de R$ 100 em ingressos para a banda. Imaginem o número de pessoas com histórias semelhantes. E aí?

A posição reacionária e um certo saudosismo de Zero Quatro em relação à época em que as gravadoras detinham maior poder e o acesso à produção intelectual estava muito mais atrelado às relações comerciais espanta. Sua fala sobre a internet provocar o "nivelamento por baixo", beneficiando artistas "absolutamente medíocres, que não têm a menor chance de ser descobertos por gravadora" é ainda mais chocante. Ao contrário do que ele afirma, acredito que não vivemos a descontrução da indústria, mas sim uma reformulação da mesma.

A internet não rompe com as relações da cadeia produtiva da música, mas elimina algumas etapas ao mesmo tempo em que cria novas, com a vantagem de ter maior potencial de democratização da produção e do acesso (vide equipamentos e softwares para produção musical mais baratos e ferramentas de distribuição de conteúdo). Não se livrar de relações passadas e se fechar ao que a tecnologia pode oferecer apenas restringe a evolução do mercado musical. Conforme as palavras de Sílvio Meira, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), ao G1, vivemos "uma espécie de ‘começo do fim’ do embate entre o modelo de negócios de mídia que já passou (o das gravadoras) e o que está por vir, o de entretenimento como serviço... aberta a Caixa de Pandora, não há como fechar. As viúvas das gravadoras, da escassez, têm que começar a construir o próximo modelo, um que depende de muita banda, muito barata, em todo canto, com serviços baseados em micropagamentos, para estarem disponíveis para muita gente, para que eles, os autores e intérpretes, sejam remunerados por sua participação percentual no fluxo de atenção”.

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