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23 de março de 2009

Formatos colaborativos e a propriedade intelectual

Abaixo publico trecho do meu projeto experimental de conclusão do curso de jornalismo na PUC Minas, apresentado em novembro de 2008. O projeto, intitulado "PROJETO BLOGS: Uma experiência de mediação cultural em blogs de cultura urbana", foi realizado por mim, Carlos Andrei Siquara, Gustavo Andrade, Juliana Semedo e Flávia de Magalhães e orientado por Geane Alzamora.

Ainda não preparei um PDF com o projeto completo para publicar no Overmundo, então seleciono alguns trechos que se encaixam com a linha editorial do Meio Desligado e publico aqui.

Enquanto surgiam os primeiros blogs, ainda focados nos diários pessoais, a participação de outras pessoas além dos próprios autores limitava-se aos comentários, já que as ferramentas não permitiam a presença de vários autores em um mesmo blog – o que continua ocorrendo em serviços como Tumblr e Vox, que não possibilitam mais de um usuário como administrador de um determinado blog. A partir do desenvolvimento das ferramentas de blogs, abriu-se a possibilidade de vários autores atualizarem um mesmo blog, cada um deles identificado por um pseudônimo (ou, no inglês, nick). Essa possibilidade de atualização de um blog por mais de uma pessoa representou uma nova forma de produção coletiva de conteúdo e de mediação.

Ronaldo Lemos (2008) aponta que “a criação depende cada vez menos do indivíduo e mais da coletividade”. Lemos refere-se a iniciativas como a Wikipedia, softwares de código livre e aos blogs coletivos, criados a partir da interação entre diversas pessoas que, juntos, representam uma alternativa mais democrática ao conteúdo produzido pelas chamadas mídias tradicionais: TV's, rádios e meios impressos, além de suas versões digitais.

As novas possibilidades de produção de conteúdo dividem-se por diferentes áreas, desde pesquisas científicas ao entretenimento, porém todas dividem um elemento em comum, crucial para a existência de qualquer ação colaborativa: o consentimento do autor de uma determinada obra para que a mesma seja retrabalhada e adaptada por outras pessoas. Do contrário, a produção em conjunto limita-se a pensamentos e comentários acerca das obras analisadas, sem efetivamente alterá-las. Sendo assim, toda produção coletiva e colaborativa, seja ela realizada em blogs coletivos ou no desenvolvimento de softwares, debate-se com o conceito de propriedade intelectual e direito autoral, que estabelece, desde o século 19, que toda a criação intelectual nasce protegida e é exclusiva de seu autor, podendo ser utilizada apenas mediante autorização do mesmo. Tal forma de direito autoral limita as possibilidades de interatividade e torna o processo de criação coletiva lento.

Em resposta a esse cenário, novas formas de direito autoral surgiram, visando desde sua criação o fomento à criação descentralizada. A partir do fim da década de 1980, o copyleft mostrou-se como a principal delas, posicionando-se no caminho oposto ao copyright, direito autoral tradicional, famoso pela expressão que acompanha sua logomarca: “all rights reserved”, indicando que todos os direitos relativos à obra junto a qual a marca de copyright é apresentada pertencem exclusivamente a seu autor. Já o copyleft indica que as obras licenciadas desta forma não precisam de autorização prévia para serem difundidas ou alteradas. Outro avanço na área ocorreu em 2001 (Rocha, 2008), com a criação do Creative Commons, um modelo de licenças que permite ao criador intelectual definir o que pode ou não ser feito com sua obra sem a necessidade de sua autorização prévia.

Tais formatos de direito autoral estão diretamente ligados à cultura digital e ao desenvolvimento tecnológico, que permitiram o enorme crescimento no número de pessoas criadoras de obras intelectuais (LEMOS, 2007). Lawrence Lessig, um dos fundadores do Creative Commons, compartilha da idéia de que a produção colaborativa é uma das formas de se alcançar maior desenvolvimento intelectual e disseminar a cultura, sendo, para tanto, necessária maior flexibilidade nas leis que regulamentam os direitos autorais. Sem essa flexibilidade em relação à propriedade intelectual, toda a produção coletiva na rede estaria atada e dependente de formas arcaicas que possibilitassem a colaboração entre indivíduos na rede.

As ações colaborativas em rede, portanto, necessitam de alguma licença de direito autoral copyleft, como Creative Commons ou GNU (esta, mais voltada à área de softwares, mas também utilizada em sites como Wikipedia e Last.Fm, através de sua “licença de documentação livre”), de modo a possibilitar a criação coletiva sem infringir as leis de direito autoral. Assim, é possível afirmar que as novas formas de direito autoral possibilitaram o crescimento dos blogs coletivos e da colaboração na blogosfera, assim como em ambientes colaborativos diferenciados e complementares à blogosfera, como a Wikimedia.

A partir dessa maior liberdade de fluxo de conteúdo, os blogs não estão limitados à possibilidade de linkar o conteúdo produzido por outras pessoas, mas podem reutilizá-lo e recriá-lo, fortalecendo a chamada “cultura do remix”, (Lessig, 2005), na qual todo conteúdo está aberto e passível de ser transformado.

Como conseqüência, ao publicar um texto sobre a tipologia urbana da cidade de São Paulo no blog Dispepsia, por exemplo, é possível fazer uma busca entre imagens da cidade liberadas sob licenças Creative Commons e republicá-las junto no blog sem infringir os direitos autorais do autor da fotografia. A possibilidade de utilização do conteúdo gerado por outra pessoa, nesse caso, enriquece o post do blog Dispepsia e gera novas conexões entre o blog e o autor da fotografia, uma vez que o mesmo será linkado ao ter sua foto utilizada no blog. Ações como essa geram um novo fluxo de troca de conteúdo e criação de laços na blogosfera.

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