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27 de julho de 2014

Funk ostentação

Nunca me interessei muito pelo funk ostentação. Além de musicalmente limitado, um gênero construído sobre letras que se resumem ao poder de compra e ao controle exercido pelo dinheiro não seria digno de muita atenção. Além disso, seria mais um instrumento de manutenção do sistema, uma vez que os adeptos da ostentação oriundos das classes mais baixas gastam (o pouco) dinheiro que têm para comprar produtos caros de marcas famosas e assim se diferenciar entre seus próximos (o que praticamente se resume à obtenção de status social e pretensão de obter respeito e sexo através desse mesmo status).

Com isso em mente, foi interessante assistir ao documentário Funk Ostentação - O Filme, pois ele apresenta uma nova perspectiva (sem, no entanto, desfazer as impressões anteriores). Um ponto relevante destacado pelo documentário é que o funk ostentação possui, sim, um aspecto ativista que até então eu desconsiderava. Ele mantém a tradição do funk proibidão, mas no sentido de falar de algo que parecia negado à população de baixa renda: a proibição do desejo de consumir e possuir os símbolos materiais de status e ascenção social.

Independente de julgar as escolhas e os desejos dos adeptos (até porque, julgar o desejo de alguém é extremamente complicado), o funk ostentação se mostra diretamente ligado ao contexto político-social em que surge e se constitui como uma ferramenta de inclusão (à força).  Mesmo com maior poder econômico do que antigamente, os pertencentes às classes mais baixas atualmente em ascenção não se sentiriam "aceitos" socialmente em seu novo papel de cidadãos com poder de compra e capazes de fazer suas próprias escolhas em vez de apenas subexistir e ter que aceitar suas limitações. Assim, para deixar clara a transformação, a ostentação passa a ser o instrumento através do qual todos os outros reconhecem o seu crescimento. Mesmo que o aumento da renda de alguém ocorra independente do conhecimento de tal situação por parte do outro (ou seja, mesmo que ninguém saiba que meu salário aumentou, eu continuarei ganhando mais agora), é através da "aprovação" externa que o ciclo de status se completa (de que adiantaria ter mais dinheiro se continuo sendo discriminado?).

Pensando assim, o funk ostentação é necessário. Por enquanto.

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