O pessoal do blog português Bandcom e o Meio Desligado trocam, mensalmente, indicações de bandas de seus respectivos países. A mais recente sugestão é o Orelha Negra, considerado o maior nome do hip hop português. A banda se apresenta no Brasil dentro da programação do Rock in Rio 2013, como convidados do Flávio Renegado (estarei lá trabalhando neste mês e depois escrevo sobre como foi).
Fiz uma pesquisa sobre a banda e achei sua sonoridade bastante interessante. Flerta com o hip hop mainstream americano, black e soul music e com um bom uso de samples e vocalistas convidados. Abaixo, o vídeo sexy de "Queen of hearts" e, na sequência, o texto de Catarina Bessa, colaboradora do Bandcom, sobre a mais recente mixtape da banda.
Por Catarina Bessa
“Mixtape II” é o mais recente disco de Orelha Negra, banda portuguesa composta por Sam The Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes. Arriscando a dizer que, neste momento, são os “mestres” do hip-hop tuga, os Orelha Negra inovam não só nas participações, como é exemplo a de Teresa Santos (Da Chick) que estamos habituados a ouvir num registo mais funk, como também nos instrumentais que, como em qualquer masterpiece do género, vão beber a todas a “fontes”, misturando as várias culturas tradicionais e contemporâneas de forma a recriar, de forma inovadora, o infinito musical que nos circunda. Nas 21 faixas encontram-se ainda as participações de Amp Fiddler e Fred (“Queen of Hearts”), Osso Vaidoso (“Blu Marina”), Pocz & Pacheko (na remistura de “Bala Cola”), Stereossauro & Razat (“O Segredo”), Kika Santos (“My Best Keep Secret”), Zombies For Money e DJ Izem (nas remixes de “Throwback”) ou DJ Riot (“A Luta”).
As colaborações de Carlos Nobre, Capicua e Fuse surgem, contudo, em destaque. A primeira relembra a primeira mixtape dos Orelha Negra mas também o seu disco homónimo como Algodão. Desde os Da Weasel, em que Pacman apresentava a sua faceta mais agressiva, muito se modificou. Aqui, a sua voz invade os ouvidos de quem o ouve, afirmando que “um homem e uma mulher não ficam juntos para sempre” e fazendo uma ode à música, dizendo-lhe: “Sempre Tu”. Fuse, um dos mentores e maiores filósofos do hip-hop português, entre temáticas recorrentes como o contraste entre o céu e o inferno, o bem e o mal, o dia e a noite, o anjo e o demónio, sussurra a Adolfo Luxúria Canibal. Em “A Noite Em Que Eu Nasci”, e servindo-se de algum “heavy metal”, o ambiente criado é de terror e agonia, com o tema a terminar com uma declamação de Napoleão Mira, pai de Sam The Kid. Capicua, a afirmar-se e a conquistar novo terreno para as mulheres, ensina-nos a diferença entre a paixão e o amor em “A paixão É Às Vezes, O Amor É Sempre” numa mensagem de apelo ao sentimento verdadeiro. Muitos dos dilemas que os jovens, e mesmo os adultos, enfrentam na sociedade surgem aqui reflectidos: a rapidez e a fugacidade dos sentimentos, a falta de paciência e tolerância, são tidos como “amor” e não passam de paixão, de sentimentos passageiros sem a consistência necessária para prevalecer.
Dentro do colectivo, Sam The Kid mostra mais uma vez que não tem de provar nada a ninguém na arte do rap. O domínio das palavras e do flow, da escrita e da declamação, sempre no seu registo humilde e defensor de grandes ideais (neste caso, a monogamia), mantém a sua coerência desde os seus primeiros álbuns até aos dias de hoje. O mesmo se passa com Regula, que em “Solteiro”, com Heber e Roulet, defende o que sempre afirmou defender: a poligamia e o crime.
Numa mixtape em que cada música tem o seu valor, todas as temáticas são diferentes e definem os artistas envolvidos que, apesar de divergirem intensamente uns dos outros, nem por isso ficam desintegrados: antes, completam-se em plena sinfonia tocada e cantada pelos mais diferentes instrumentos e vozes, numa panóplia de estilos integrados que fazem com que o mesmo tenha uma dinâmica difícil de superar.
Tudo isto, dando uma nova vida a um género que, muitas vezes, não encontra uma saída do cubículo que é, e procura a sua inspiração apenas a partir dos anos 90. É com álbuns destes que nos apercebemos que as sonoridades do hip-hop podem e devem ser mais exploradas quando conseguimos perceber a extensa dimensão que este consegue atingir.