Você sabia que as revistas Rolling Stone, Piauí, Cult, Brasileiros, Raça Brasil, Viração, Carta na Escola, Fórum Outro Mundo em Debate e Jornal Rascunho estão disponíveis integralmente, de forma gratuita na internet, e que suas assinaturas anuais custam no máximo R$ 75? E que todo o conteúdo delas está liberado em Creative Commons ou licenças livres semelhantes? Provavelmente você não tem conhecimento de tudo isso simplesmente porque essa não é a realidade, apesar de ser esse o acordo estabelecido entre o Governo Federal e essas publicações. Elas são as nove publicações contempladas pelo Edital de Periódicos de Conteúdo Mais Cultura que estabelece todos os procedimentos acima.
Em um primeiro momento o resultado do edital causou polêmica, principalmente no meio literário, ao selecionar revistas comerciais, ligadas a grandes empresas e patrocinadores. O que acontece é que boa parte dos críticos do edital são responsáveis por publicações menores que não foram selecionadas ou simplesmente não leram o edital. A proposta do Ministério da Cultura, na realidade, é exemplar e, de certa forma, experimental. Experimentalismo, este, necessário não somente na produção cultural objeto do edital como também das políticas públicas.
Ao fornecer apoio financeiro na casa das centenas de milhares de reais a essas publicações o Minc busca expandir o alcance dessas publicações pelo país e, com isso, ampliar o número de leitores, disseminar informação cultural, tornar mais próximo e acessível da população material cultural que posibilite o desenvolvimento intelectual. Para isso, cada publicação aprovada no edital deve disponibilizar 7 mil assinaturas e enviar para os endereços de bibliotecas, centros culturais e pontos de cultura estabelecidos pelo Governo, além de:
- uma concessão de desconto mínimo de 30% sobre o preço comprovadamente cobrado em assinaturas individuais praticado no mês anterior à publicação deste Edital, não podendo ultrapassar o valor de R$ 75,00 (setenta e cinco reais) por assinatura com no mínimo, doze edições
- manter uma versão na internet de todo o conteúdo publicado nas edições impressas atualizado simultaneamente à circulação do material, sob licenças Creative Commons ou outras licenças livres
Excelente, não? Afinal, qual a porcentagem da população brasileira que tem condições de comprar mensalmente a Piauí (R$ 12), Rolling Stone (R$ 9,90) e Cult (R$ 9,90), só para ficar em três das aprovadas?
De acordo com o edital, cujo resultado foi publicado no Diário Oficial da União no dia 19 de fevereiro de 2010, hoje eu deveria poder entrar nos sites de qualquer uma dessas publicações e acessar todo o conteúdo das revistas. Inclusive, poderia republicar parte do material encontrado no site, aqui no meu blog, já que ele não tem fins lucrativos, contanto que indicasse a fonte, ou seja, a revista e o autor do texto.
Ok!
Vamos aos próximos passos:
1. Digito rollingstone.com.br no Google Chrome (o navegador mais rápido do velho oeste)
2. Vejo na parte inferior direita a chamada para a edição do mês, com Black Eyed Peas (sic) na capa e penso "Ugh, vou dar uma lida no que saiu esse mês e ver se é tudo tão bom quanto a capa"
3. Coço o saco, porque ele foi depilado na semana passada e quando os pêlos começam a crescer dá uma super coceira, é um saco
4. Clico em "Edição 44" (que á a última disponível)
5. Vejo a chamada para a matéria sobre meus ídolos Edson e Hudson e a empreitada rocker do segundo e clico na mesma:
"E até natural que, após o fim da dupla com seu irmão Edson, o sertanejo
Hudson partisse para uma carreira solo. Mas o caminho escolhido não foi o
mais óbvio: depois de gravar um disco instrumental cheio de guitarras (Turbination,
de 2007), Hudson resolveu levar a brincadeira a sério e entrar de
cabeça no mundo do rock. Ele foi para Los Angeles, onde passou cerca de
20 dias gravando o primeiro trabalho oficial de sua carreira roqueira
com o nome Hudson Cadorini e Banda Rollmax. As gravações do primeiro CD
contaram com as participações do baterista Matt Sorum (Velvet Revolver,
ex-Guns N' Roses) e do baixista Mike Inez (Alice in Chains). "Eles são
amigos do produtor", diz Hudson. "O Slash ia tocar, mas não conseguiu
espaço na agenda.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 44, maio/2010"
Será que li errado o edital? Volto ao pdf do Minc, item 13, "das obrigações e contrapartidas dos selecionados":
"13.1- Constituem obrigações automaticamente contraídas pelos proponentes selecionados, incluindo o ônus para o cumprimento das mesmas:
I – produzir editorial e graficamente o número de 12 edições de acordo com a periodicidade da publicação apresentada;
II – proceder o envio dos exemplares para os endereços individuais apresentados pela DLLL/ SAI/ MinC;
III – manter produção de conteúdo dedicado à cultura e à produção cultural nos padrões apresentados no portfólio;
IV – manter uma versão na internet de todo o conteúdo publicado nas edições impressas atualizado simultaneamente à circulação do material, sob licenças Creative Commons ou outras licenças livres".
Peraí, não é essa a revista que recebeu R$ 524.160,00 assumindo, justamente, cumprir as exigências do edital? E por que a assinatura custa R$ 106,92 e vem de brinde uma bolsa horrorosa?
(Uma dor de cabeça me ataca e tento pensar em outras coisas)
Visito o site do jornal Rascunho (contemplado com R$ 420.000,00):
- Preço da assinatura anunal: R$ 60 (exatamente como informaram ao Minc)
- Todo o conteúdo livre para acesso, apesar de que, ao clicar, pedirem usuário e senha, basta clicar em cancelar. Erro ou má fé? Meu lado Poliana me faz crer que se trata apenas de um período de adaptação, liberaram o conteúdo mas permaneceram algumas falhas no sistema.
Há esperança no mundo. E, para mantê-la, deveria parar por aqui.
Continuo.
Continuo.
No site da revista Cult, analisei o conteúdo disponível no com a revista em mãos, simultaneamente. A maior parte do conteúdo da última edição realmente está disponível no site, mas grande parte do dossiê de capa, por exemplo, não está lá. E a assinatura? 12 edições por R$ 103. No resultado do edital, através do qual a revista recebeu R$ 504.000,00, o valor da assinatura anual está em R$ 72.
Cansado e um pouco menos esperançoso, acesso os sites das revistas Piauí e Brasileiros. Ambas publicam o material de suas versões impressas no site (apesar de eu não poder verificar, como no caso da Cult, se essa publicação ocorre efetivamente na íntegra ou não) mas, assim como todas as outras analisadas, ignoram a exigência de publicação do conteúdo registrado em Creative Commons ou semelhantes licenças livres. Lá está, em todos os sites, o velho e maroto copyright, como deixa claro o textículo no fim da página da Piauí:
"Os direitos autorais de todo o material apresentado neste site, inclusive imagens, logotipos, fotografias e podcasts, são de propriedade da revista piauí ou de seu criador original. A reprodução, adaptação, modificação ou utilização do conteúdo aqui disponibilizado, parcial ou integralmente, é expressamente proibida sem a permissão prévia da revista ou do titular dos direitos autorais".
E, novamente, sobre as assinaturas, em duas versões: uma para os leitores, outra para o Ministério da Cultura:
Assinatura anual da Piauí para o leitor, hoje: R$ 129,60
Assinatura anual da Piauí que consta no resultado do edital: R$ 57
Assinatura anual da Brasileiros para o leitor, hoje: R$ 90
Assinatura anual da Brasileiros que consta no resultado do edital: R$ 63
Entrei em contato com a Rolling Stone, Cult e Ministério da Cultura através de seus respectivos sites, da mesma forma como qualquer cidadão, jornalista ou não, poderia questionar o acontecido. Perguntei porque as publicações ainda não estavam seguindo as obrigações estabelecidas no edital e se havia um prazo para que isso ocorresse. Ninguém me respondeu.
Atualização:
Resposta da Rolling Stone ao leitor Mário César Mancinelli:
"Caros Leitores Rolling Stone,
O resultado do edital, foi sim divulgado dia 19 de fevereiro de 2010, porém ainda não entrou em vigor. Apesar de ter o resultado divulgado, o edital ainda não está assinado entre as partes. Para que passe a valer, em todas suas regras, deverá ser assinado entre o Minc e os veículos contemplados. A partir daí, os veículos tem um período para adaptar-se as normas do edital.
Agradeço o espaço e os manteremos informados.
Leo Belling
Gerente de Marketing
Rolling Stone Brasil
leobelling@rollingstone.com.br"
Atualização:
Resposta da Rolling Stone ao leitor Mário César Mancinelli:
"Caros Leitores Rolling Stone,
O resultado do edital, foi sim divulgado dia 19 de fevereiro de 2010, porém ainda não entrou em vigor. Apesar de ter o resultado divulgado, o edital ainda não está assinado entre as partes. Para que passe a valer, em todas suas regras, deverá ser assinado entre o Minc e os veículos contemplados. A partir daí, os veículos tem um período para adaptar-se as normas do edital.
Agradeço o espaço e os manteremos informados.
Leo Belling
Gerente de Marketing
Rolling Stone Brasil
leobelling@rollingstone.com.br"